Quando se fala no “maior artilheiro da história da Copa Libertadores”, o primeiro nome que vem a sua cabeça é Pelé, certo? Errado. O Rei já foi artilheiro de uma edição, a de 1965, mas quando se trata da história da competição, outro nome surge antes do maior jogador de todos os tempos. Trata-se de Alberto Spencer, atacante equatoriano que dedicou grande parte de sua vida futebolística ao Peñarol, do Uruguai, e foi um dos maiores jogadores de todos os tempos, mas que quase não é conhecido. E na seção "Mexendo no Baú" de hoje, você irá conhecer um pouco mais da história deste espetacular jogador.

O começo da carreira

Pedro Alberto Spencer Herrera nasceu em 6 de dezembro de 1937, na pequena cidade de Áncon, no Equador. Filho de pai jamaicano e mãe equatoriana, divertia-se jogando futebol nos campos de terra do Club dos Andes, quando criança. Seu irmão, jogador profissional, o levou, ainda aos 15 anos, para fazer um período de treinos no modesto Club Deportivo Everest, da capital equatoriana, Guayaquil. Dotado de muita habilidade, rapidamente subiu ao time titular e passou a integrar o ataque do Everest. Extremamente eficiente nas cabeçadas, Spencer não demorou à se sobressair diante os companheiros, a impressionar os clubes locais e a chegar à seleção do Equador.

No ano de 1959, o atacante foi emprestado ao Barcelona de Guayaquil, principal equipe local, e teve a oportunidade de disputar um amistoso contra o tradicionalíssimo e fortíssimo Peñarol, do Uruguai, e arrebentou na partida. Impressionados com a qualidade de Spencer, os dirigentes do clube uruguaio fizeram questão de contratá-lo. E foi em março de 1960 que se iniciou uma das maiores e mais gloriosas parcerias do futebol sul-americano e mundial.

A chegada ao Peñarol

Logo na sua partida de estreia com a camisa carbonera, Spencer marcou três gols na vitória por 6 a 3 sobre o Atlanta, da Argentina. O centroavante ainda marcaria mais dois gols em um embate contra o Tigre, também da Argentina, e prontamente se tornaria o grande artilheiro do Peñarol. Em sua primeira temporada, Alberto foi peça fundamental para a conquista do Campeonato Uruguaio de 1960, quando o clube venceu 11 partidas, empatou seis e foi derrotado apenas uma vez. Entretanto, a grande obsessão da diretoria aurinegra era a recém-criada Copa Libertadores da América.

Em março de 1959, durante o 30º Congresso da Conmebol, os dirigentes da América do Sul começaram a elaborar uma competição interclubes, envolvendo apenas os campeões nacionais do continente, ideia apresentada por Brasil e Chile anos antes. O primeiro campeonato nestes moldes havia sido disputado em 1949, quando o Vasco da Gama se sagrou campeão. Porém, a ideia havia sido deixada para trás e só seria retomada dez anos depois. Depois de diversas reuniões, ficou decidido que se criaria definitivamente uma competição continental.

O começo da história na Copa Libertadores

No ano de 1960, tivemos a disputa do primeiro torneio com o nome de “Copa Libertadores da América”, em homenagem aos heróis da independência da América Espanhola, que permanece até os dias atuais. Foram seis equipes participantes: Bahia (BRA), Peñarol (URU), San Lorenzo (ARG), Jorge Wilstermann (BOL), Universidad do Chile (COL) e Olimpia (PAR).

A primeira partida ocorreu no mês de abril, com o campeão uruguaio Peñarol enfrentando o campeão boliviano Jorge Wilstermann e Alberto Spencer logo foi dando amostras do quão gloriosa seria a sua história (e a da equipe carbonera) na competição. Os uruguaios venceram por 7 a 1, com quatro gols do equatoriano.

Embalada pela belíssima estreia, a equipe foi com tudo em busca do título e o empate em 1 a 1 na Bolívia garantiu a presença nas semifinais contra os argentinos do San Lorenzo. Nas duas primeiras partidas, tivemos dois empates em 1 a 1 e 0 a 0, forçando um terceiro e decisivo jogo, no Uruguai. A vitória por 2 a 1, com dois gols de Spencer, colocou o Peñarol na primeira final continental da história da América do Sul, contra o Olimpia.

Na primeira partida contra os paraguaios, no Estádio Centenário, em Montevidéu, Spencer foi o autor do gol solitário da vitória do Peñarol, se consagrando como o grande artilheiro daquela competição com sete gols marcados. Na volta, fora de casa, o empate em 1 a 1 garantiu ao clube uruguaio a honra de poder se dizer o primeiro campeão continental da América do Sul. A conquista coroava uma equipe dominante no cenário nacional (àquela altura, era tricampeã uruguaia).

O primeiro Mundial e a primeira decepção

Em 1960 também se disputou o primeiro campeonato mundial interclubes da história. A ideia havia sido elaborada pelo então presidente do Real Madrid, Santiago Bernabéu, e posta em prática após a criação da Copa Libertadores. Como havia sido o campeão da América, o Peñarol ganhou o direito de disputar a Taça Intercontinental contra o campeão europeu, o mesmo Real Madrid de Bernabéu.

Apesar de toda a sua qualidade, a equipe sul-americana não teve forças para superar o Real Madrid de Puskas, Gento e Di Stéfano e, após empate em 0 a 0 em casa, sofreu uma estonteante goleada por 5 a 1, na Espanha, com o gol de honra sendo marcado por Spencer. Entretanto, a derrota não abalou Spencer e seus companheiros, que permaneceram dominando a América do Sul.

O melhor ano da vida de Alberto Spencer

O ano de 1961 marcou a carreira de Alberto Spencer. Foi nele em que o equatoriano se consagrou artilheiro do campeonato uruguaio pela primeira vez, com 18 gols marcados e se estabeleceu como um dos maiores matadores da história do futebol. Mas não foi só no campeonato nacional que o craque brilhou.

Na primeira partida da Libertadores daquele ano, o Peñarol venceu o Universitario, do Peru, por 5 a 0, com dois gols do atacante, o que permitiu a derrota por 2 a 0, fora de casa, e a classificação para as semifinais, aonde tivemos uma reedição da final do ano anterior, entre os uruguaios e o Olimpia.

Apesar de Spencer ter passado em branco em ambas as partidas, o Peñarol venceu por 3 a 1 e 2 a 1 e garantiu vaga na grande final, que seria disputada contra a espetacular equipe do Palmeiras de Djalma Santos, Julinho Botelho, Geraldo e Chinesinho, além do técnico Osvaldo Brandão. A vitória carbonera com gol solitário do equatoriano, no Uruguai, e o empate em 1 a 1, no Pacaembu, renderam o bicampeonato continental para a equipe aurinegra.

O título da Copa Libertadores de 1961 deu direito ao Peñarol de voltar a disputar a Taça Intercontinental, desta vez contra o Benfica, de Portugal, que tinha entre seus titulares o português Eusébio, um dos maiores jogadores de todos os tempos, e que havia sido a primeira equipe capaz de destruir a hegemonia do Real Madrid – pentacampeão nas cinco primeiras edições - em solo europeu.

Na primeira partida, em Portugal, vitória do Benfica por 1 a 0 no Estádio da Luz. A segunda partida, disputada no lendário Estádio Centenário, demonstrou toda a qualidade daquela equipe e de Alberto Spencer. A contundente vitória por 5 a 0, com dois gols do equatoriano, forçou uma terceira e decisiva partida, também disputada no Uruguai.

Com um triunfo por 2 a 1, dois gols de Sasía, o Peñarol conquistou o campeonato mundial interclubes pela primeira vez em sua história e, acima de tudo, se redimiu da derrota sofrida no ano anterior para o Real Madrid.

O pentacampeonato uruguaio

Recém campeão mundial, o Peñarol vivia, em 1962, o seu auge e era a equipe mais temida da América do Sul e ficara conhecida por todo o globo. Spencer também seguia em espetacular forma e foi o artilheiro do Campeonato Uruguaio daquele ano, com 16 tentos anotados, sendo peça-chave para a conquista do pentacampeonato carbonero.

Além do título nacional, a torcida aurinegra ainda tinha outros motivos para comemorar: Caetano e Pedro Rocha haviam se tornado titulares da equipe e se demonstravam excelentes jogadores. Entretanto, o grande objetivo uruguaio era o tricampeonato continental.

O encontro entre Spencer e Pelé

Se Alberto Spencer brilhava nos gramados uruguaios e sul-americanos, outro nome também tinha grande destaque naquela época. Tratava-se nada mais, nada menos, do que o “Rei do Futebol”, Pelé. Já campeão mundial pela Seleção Brasileira, o maior jogador de todos os tempos brilhava com a camisa do Santos e a América do Sul ansiava por um confronto entre Pelé e Spencer.

Atual campeão da Copa Libertadores, o Peñarol teve o direito de entrar na competição diretamente nas semifinais, aonde enfrentou logo de cara o seu maior rival, o Nacional. Na primeira partida, vitória dos Albos por 2 a 1, o que obrigava os carboneros a vencer de qualquer maneira na segunda perna. Com dois gols do seu principal jogador, o Peñarol venceu por 3 a 1 e forçou a terceira e decisiva partida. Spencer também foi o autor do único gol dos aurinegros no empate em 1 a 1, que garantiu mais uma final continental para a equipe.

O cenário para aquela final era o ideal: Alberto Spencer e a equipe do Peñarol de um lado e Pelé e o esquadrão santista do outro. Os dois maiores jogadores daquela época na América do Sul se enfrentando no principal jogo do continente. Entretanto, isso só seria possível caso a terceira partida fosse forçada, visto que Pelé não estava disponível para os dois primeiros jogos.

Logo na primeira partida, os uruguaios sentiram a força dos brasileiros: Mesmo sem o Rei, o Santos venceu por 2 a 1, com dois gols de Coutinho (o gol carbonero foi marcado por Spencer) no Uruguai, e abriu excelente vantagem na busca pelo título. No segundo jogo, o Peñarol demonstrou sua capacidade de reação e superou uma partida extremamente tumultuada, com objetos sendo atirados no campo e diversas paralizações, e venceu por 3 a 2, com dois gols de Spencer.

Na terceira partida, disputada na Argentina, no estádio Monumental, finalmente teríamos o encontro mais esperado da década no futebol sul-americano. No confronto entre Spencer e Pelé, quem levou a melhor foi o Rei do Futebol, que marcou dois gols e viu o Santos vencer o Peñarol por 3 a 0, terminando com a hegemonia carbonera no continente.

A hegemonia agora era apenas nacional

A partir de 1962, o Peñarol passou a viver uma seca de títulos continentais. Spencer e seus companheiros só conseguiram repetir o futebol que os consagrou nos Campeonatos Uruguaios, tanto que o venceram por quatro vezes em cinco anos – 1964, 1965, 1967 e 1968.

Entretanto, se os títulos continentais não vinham, Spencer não parou de anotar tentos na Copa Libertadores. Em 1963, o craque equatoriano reencontrou o seu primeiro clube, o modesto Everest, e não perdoou, anotando impressionantes cinco gols, um recorde até hoje, na vitória por 9 a 1 da sua equipe. Apesar da incrível atuação naquela partida, Spencer e o Peñarol não foram longe na competição, pararam na fase seguinte diante o Boca Juniors, da Argentina, e a equipe só voltou a brilhar internacionalmente no ano de 1966.

A reconquista da América

A Copa Libertadores de 1966 teve um formato diferente das anteriores, com uma primeira fase em que três grupos (dois de seis times e um de quatro) eram disputados e os dois melhores colocados de cada grupo se juntavam ao atual campeão, Independiente, em uma nova fase de grupos. Na segunda fase, as equipes eram novamente divididas em dois grupos (um de três e outro de quatro times) e os campeões de cada grupo disputariam a grande final da competição.

O Peñarol começou a Copa Libertadores da pior maneira imaginável, sendo derrotado por 4 a 0 pelo seu principal rival, o Nacional de Montevidéu, na primeira partida e por 1 a 0 para o Jorge Wilstermann, da Bolívia. Entretanto, a equipe demonstrou todo o seu poder de fogo e venceu as outras oito partidas restantes do grupo (que ainda contava com Deportivo Municipal, da Bolívia, Emelec e 9 de Outubro, ambos do Equador), terminando a primeira fase como primeiro colocado do Grupo 3.

Na segunda fase, o Peñarol teve pela frente o Nacional mais uma vez, além da Universidad Católica e perdeu apenas a primeira partida, conta os chilenos, antes de vencer as outras três e carimbar o passaporte para a grande final, aonde enfrentaria os argentinos do River Plate, do grande goleador Onega.

Na primeira partida decisiva, uma boa vitória por 2 a 0 no Estádio Centenário garantiu uma boa vantagem para os aurinegros. Entretanto, o River devolveu a derrota no segundo jogo e, em uma partida emocionante, venceu por 3 a 2, no Estádio Monumental. Os visitantes abriram o placar com Pedro Rocha, os argentinos empataram com Onega, Spencer recolocou o Peñarol na frente e Sarnari e Onega outra vez viraram a partida para os donos da casa.

No terceiro e decisivo embate, disputado no Estádio Nacional, em Santiago, capital do Chile, o River Plate abriu 2 a 0 com gols de Onega e Solari, mas o Peñarol foi valente e conseguiu o empate com Spencer e Abbadie, forçando o tempo extra. Na prorrogação, Spencer anotou mais um e Pedro Rocha fechou o placar em 4 a 2, garantindo o tricampeonato continental carbonero.

A vingança é um prato que se come frio

Com o tricampeonato continental garantido, o Peñarol teve direito a disputar o terceiro campeonato mundial de sua história. E, como no primeiro em 1960, o adversário seria o temido Real Madrid. Com um time mais consistente e melhorado em relação ao da decisão anterior, os carboneros conseguiram devolver a derrota sofrida e Alberto Spencer se consagrou como um dos maiores goleadores da história do futebol mundial.

Na primeira partida, em Montevidéu, o atacante equatoriano foi o autor dos dois gols da vitória por 2 a 0, resultado que seria repetido pelos uruguaios no Santiago Bernabéu, mas com um gol de Spencer e outro de Pedro Rocha, garantindo o bicampeonato mundial ao Peñarol e a tão sonhada ‘vingança’ contra o Real Madrid, que havia destruído o sonho aurinegro de ser o primeiro campeão mundial da história.

O fim de uma brilhante carreira

A partir de 1967 Spencer e o Peñarol não conseguiram manter o ótimo ritmo de conquistas e só atingiram o topo nos campeonatos uruguaios de 1967 e 1968. Em 1970, o equatoriano decidiu voltar para sua terra natal e jogar no Barcelona de Guayaquil, onde se consagrou campeão nacional em 1971. No ano seguinte, decidiu encerrar a sua carreira, com 528 gols anotados, três Libertadores, dois mundiais, sete campeonatos argentinos e o posto de maior artilheiro de todos os tempos da Copa Libertadores, com 54 tentos, no currículo.

Spencer foi um jogador excepcional, mas o fato de nunca ter disputado uma Copa do Mundo ou alcançado qualquer feito com a fraquíssima seleção do Equador não o permitiram alcançar a fama merecida, principalmente na Europa. O equatoriano ficará marcado para sempre na história do futebol sul-americano pela sua brilhante cabeçada, elogiada, inclusive, pelo Rei do Futebol.

“Um jogador que cabeceava melhor que eu era o Spencer. Eu era bom, mas Spencer era espetacular cabeceando ao gol. Ele tinha uma explosão incrível” comentou Pelé.

Um dos maiores ídolos e quiçá maior jogador da história do Peñarol, Alberto Spencer faleceu no dia 3 de novembro de 2006, na cidade de Cleveland, nos Estados Unidos, vítima de um ataque cardíaco. Em sua homenagem, a Federação Equatoriana decidiu renomear o Estádio Modelo, em Guayaquil, para Estádio Modelo Alberto Spencer Herrera. Uma homenagem mais do que merecida ao maior jogador da história do Equador e um dos gigantes do futebol mundial.