A década era a de 1970 e a banda The Wolfe Tones desfrutava de um certo sucesso, principalmente entre os defensores e simpatizantes do Republicanismo irlandês que desde a década de 1960 lutavam em favor da independência ou da integração da Irlanda do Norte com a República da Irlanda. O repertório desse grupo se baseava no tradicional Folk irlandês, com forte viés político, que passou a ser denominado Irish rebel music.

Nesse contexto, Brian Warfield (vocalista e músico do Wolfe Tones) compôs em 1972 a icônica música “Let the people sing”, dedicada aos cantores irlandeses que frequentemente eram proibidos de cantar suas canções tradicionais irlandesas em eventos públicos, particularmente na Irlanda do Norte. Tão popular essa música se tornou, que torcedores do Celtic cantam em jogos do time até hoje a versão gravada pelo grupo The Malleys. Embora reconhecida, é pouco provável que Warfield imaginasse que em pleno ano de 2013, uma faixa num estádio alemão trouxesse o título de sua música mais famosa.

Isso ocorreu numa das partidas realizadas pelo Werder Bremen na atual temporada da Bundesliga, e foi uma forma dos torcedores do clube de expressar solidariedade à Green Brigade, a controversa torcida escocesa do Celtic. Na verdade, esse apoio tem se dado sucessivas vezes nas partidas do time alemão. O fato do título da música composta por Warfield estar presente numa dessas manifestações demonstra, em parte, o grau de conhecimento que esses torcedores do Werder Bremen possuem a respeito das questões históricas e políticas que envolvem Arquipélago Britânico.

Faixa "Let the people sing" na torcida do Werder Bremen em apoio à Green Brigade (Foto: Wellenbrecher)

A Green Brigade é relativamente nova, pois foi formada no ano de 2006. Esse grupo de Ultras teve início a partir de dissidentes de outra torcida do Celtic chamada Jungle Bhoys, que estavam incomodados com frequentes desavenças a respeito da independência que deveriam ter em relação ao clube. Assim, nasceu a Green Brigade, com um pequeno número de torcedores que se encontravam na seção 111 do Celtic Park durante os jogos dos Hoops.

Aos poucos, cada vez mais adeptos começaram a fazer a parte da Green Brigade e a seguir seus preceitos. Além de manter certa independência em relação ao clube, o princípio fundamental que norteia a Green Brigade é que seus membros devem estar interessados nas três áreas principais do grupo – o próprio Celtic, o contexto Ultras, e a filosofia política adotada pela torcida. Os membros também teriam que participar regularmente de partidas e estarem preparados para fazer alguns dos elementos que transmitissem publicamente seus ideais como faixas, bandeiras, pinturas etc. Entre seus ideais destacam-se a reverência e identificação com a história, valores e costumes scot-irlandeses que deram origem ao clube, a independência em relação ao Reino Unido e a postura política antifascista.

No que tange a postura antifascista, inúmeros Ultras de diferentes países possuem ideal semelhante. Num contexto mais amplo, eles fazem parte de um movimento intitulado Alerta Network, que envolve torcedores não só escoceses e alemães, mas também franceses, belgas, israelenses, entre outros.

Green Brigade com a bandeira do Movimento Alerta Network (Foto: Green Brigade)

Faixa do Movimento Alerta Network na torcida do Hapoel Tel Aviv (Foto: ONE)

Dentro do movimento Alerta Network, provavelmente a torcida alemã com a qual os Bhoys possuem relação mais antiga é do FC St Pauli, de Hamburgo. O relacionamento entre os torcedores vem desde a década de 1990, muito antes do surgimento dos Ultras da Green Brigade. É provável que os Piratas da Liga, como são conhecidos os torcedores do St Pauli, formem e torcida politicamente mais engajada da Alemanha. Com frequência, podem ser vistas faixas antinazismo nos jogos do time. Recentemente, os Ultras Sankt Pauli expuseram seu apoio à Green Brigade, contra a atitude tomada pela direção do Celtic de fechar o setor 111, onde a Green Brigade fica nos jogos.

Representação da união entre torcedores do Celtic e St. Pauli (Arte: Reprodução/Ultras Sankt Pauli)

Manifesto em prol da Green Brigade feito pelos Ultras Sankt Pauli (Foto: Reprodução/Ultras Sankt Pauli)

A direção do Celtic teve tal atitude em virtude dos constantes transtornos que membros da Green Brigade têm causado. Terminada a fraca campanha na fase de grupos da UEFA Champions League (apenas uma vitória e cinco derrotas), o clube acabou se notabilizando muito mais pelas confusões fora de campo. Ainda em junho, pelas preliminares da competição contra o Cliftonville, o Celtic necessitou pagar os prejuízos da destruição de mais de 100 assentos e a explosão de três sinalizadores. Assentos também foram destruídos durante o jogo contra o Motherwell, pela Scottish Premier League no Fir Park.

Assentos destruídos no Fir Park (Foto:SNS Group)

Boa parte da destruição dos assentos se deve ao “mosh”, que consiste em puxar, empurrar e chocar-se contra outros torcedores (este movimento é muito visto em espetáculos de rock). O ápice das manifestações de cunho político da Green Brigade na competição européia talvez tenha acontecido antes do jogo contra o Milan no Celtic Park. Nesse jogo foram mostradas bandeiras alusivas a Willian Wallace, líder escocês contra a dominação inglesa no século XIII, e Bobby Sands, líder do IRA durante a greve de fome promovida por integrantes do grupo no ano de 1981. Essas manifestações renderam uma multa de € 50 mil, dada ao clube pela UEFA.

Manifestações da Green Brigade antes do jogo contra o Milan (Foto: Getty)

Paralelamente, ainda que algumas atitudes da Green Brigade pareçam ser questionáveis, continua a surgir apoio das mais diferentes torcidas para esse grupo de Ultras. Torcedores da Bundesliga são capazes até mesmo de deixar rivalidades de lado em prol de defender os Ultras do Celtic daquilo que caracterizam como “criminalização”. Bayern de Munique e Borussia Dortmund provavelmente hoje componham a maior e mais acirrada rivalidade da Bundesliga (ainda que historicamente o tradicional rival do BVB seja o Schalke 04). Ainda assim, muitos torcedores borussianos e bávaros concordam quando o assunto se trata da Green Brigade. Torcedores da Schickeria München já demonstraram seu apoio à Green Brigade, em plena Allianz Arena, em jogos do Bayern pela Bundesliga. Concomitantemente a isso, em redes sociais torcedores do BVB se manifestam publicamente com apoio destinado aos Ultras do Celtic.

Faixa dos torcedores da Schickeria Munchen em solidariedade à Green Brigade (Reprodução/Südkurve München)

Manifesto de torcedores do Borussia Dortmund em apoio à Green Brigade (Arte: Reprodução/Facebook Oficial)

A verdade é que, apesar do apoio sistemático de torcedores à Green Brigade, a posição em que se encontra o campeonato alemão pode servir de exemplo aos escoceses. Se as condições financeiras dos clubes da Escócia não permitem ter em seus campos jogadores como Schweinsteiger, Lahm, Robben, Ribéry, Lewandowski, Reus entre outros, a situação vivida nos estádios sem dúvida é um bom parâmetro a ser utilizado pelos escoceses. Enquanto na Bundesliga o ingresso mais barato para assistir ao Bayern na Allianz Arena é aproximadamente R$ 50,00, na principal divisão escocesa os ingressos de menor valor no Celtic Park giram em torno de R$ 100,00. O valor dos ingressos também tem sido um dos grandes questionamentos feitos pela Green Brigade, pois na visão desses torcedores o excessivo valor afasta torcedores tradicionais de camadas mais populares.

Ato feito pela Green Brigade contra o alto preço dos ingressos (Foto: Green Brigade)

Outro ponto crucial se refere à arquitetura dos estádios Britânicos pós-relatório Taylor. Após a tragédia de Hillsborough em 1989, o governo conservador de Margareth Tatcher implementou uma série de regulamentos para que se privilegiasse a segurança nos estádios. Entre as medidas tomadas, a tradição de assistir jogos de pé foi colocada em xeque. Torcedores, e não só da Green Brigade, têm manifestado a vontade de voltar ao antigo modo de torcer de pé. Fato é que na Bundesliga ainda há tais setores, mesmo nos estádios mais modernos, como a Allianz Arena (em jogos da UEFA cadeiras são colocadas).

Antigas arquibancadas do Celtic Park, setor onde torcedores torciam em pé (Foto: RCAHMS)

Setores populares onde torcedores ficam em pé na moderna Allianz Arena (Foto: Fussballtempel)

Setor da Muralha Amarelha do Borussia Dortmund, também não há cadeiras (Foto: Christoph Kummer)

Torcedores ocupando os setores mais populares do Celtic Park na década de 1960 (Foto: Scran)

Torcedores do Bayern de Munique na Allianz Arena (Foto: Michael Weber/imagebr)

A Muralha Amarela do Borussia Dortmund (Foto: Martin Meissner/AP)

Quais serão os próximos capítulos de toda essa história? A diretoria do Celtic continuará endurecendo com a Green Brigade? Novas multas serão aplicadas ao Celtic devido ao comportamento da torcida? E os Ultras do Celtic como irão se comportar? A verdade é que há muito ainda o que acontecer nessa questão que envolve história, política e paixão pelo futebol.

Por parte da UEFA, sanções contra o clube escocês continuarão a ser dadas com base na alínea dois do Artigo 11 do Regulamento Disciplinar da UEFA, que menciona que “podem ser tomadas medidas disciplinares para o uso de gestos, palavras, objetos ou qualquer outro meio que pretenda transmitir uma mensagem fora do contexto do evento desportivo, em particular de natureza política, ofensiva ou provocatória”. Foi com base nisso que o Celtic foi penalizado pelas bandeiras mostradas antes da partida contra o Milan, e recebeu a multa de € 15 mil por cânticos considerados ilícitos, proferidos pelos Ultras a favor do Exército Republicano Irlandês (IRA), em jogo da Liga Europa no ano de 2011, diante do Rennes.

No que se refere aos torcedores alemães que simpatizam com a Green Brigade, permanecerá existindo o apoio para causas que acreditam ser justas. Entre elas estão o direito dos Ultras escoceses de proferir seus cantos, exibir suas faixas e estar no setor 111 do Celtic Park. Dessa forma, da Alemanha continuará vindo uma voz rebelde em prol da Green Brigade a fim de que, em sua visão, se deixem as pessoas cantar suas histórias e canções. Em outras palavras, em bom alemão diriam Lassen Sie die Leute singen, assim como fez em inglês o compositor Brian Warfield no ano de 1972.

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Sobre o autor
Rafael Mateus
Apenas alguém interessado por Arte, História e Futebol (aquele que vai além das quatro linhas).