No início de toda partida, a bola que é colocada no centro do campo é uma história que espera ser escrita. Cada jogo possui sua história, e nesse domingo (02/02) uma nova será contada no histórico do confronto entre Eintracht Frankfurt e Bayern de Munique na Bundesliga. Se na atualidade os bávaros são uma das maiores equipes do mundo e favoritíssimo a conquistar o campeonato alemão, o Frankfurt ocupa a preocupante décima quarta posição. Embora no momento lute basicamente apenas para permanecer na primeira divisão, o time da cidade que é o centro financeiro da Alemanha já possuiu seus momentos gloriosos.

Sem dúvida, muitos daqueles ligados ao futebol alemão podem lembrar da histórica conquista do Frankfurt no campeonato alemão da temporada 1958-1959. Na temporada seguinte, a equipe permanecia com um futebol competitivo, o que permitiu que o clube até mesmo a disputasse a final da Copa dos Campeões da Europa contra o Real Madrid. O sonho de conquistar o mais importante torneio interclubes europeu terminaria com a grande exibição madridista protagonizada pelos ícones da história do futebol Di Stéfano e Puskás: 7 a 3 para a equipe espanhola.

Eintracht Frankfurt campeão da temporada 1958-1959 da Bundesliga (Foto: Site Oficial/Eintracht Frankfurt)

Entretanto, os bons momentos do Eintracht Frankfurt não se resumem a esse período. Durante a década 1970, o Frankfurt conseguiu formar boas equipes que até mesmo chegavam a impor enormes dificuldades aos maiores times alemães da época. Ainda que não tenha sido capaz de competir diretamente pelo título da Bundesliga (na década de 1970 a disputa pelo campeonato basicamente ficou polarizada entre Bayern de Munique e Borussia Mönchengladbach), o Frankfurt conseguiu conquistar o bicampeonato da Copa da Alemanha nas temporadas 1973-1974 e 1974-1975, respectivamente em finais contra Hamburgo e Duisburg.

Eintracht Frankfurt e Hamburgo durante a final da Copa da Alemanha em 1974 (Foto: Site Oficial/Eintracht Frankfurt)

Evidentemente, é provável que no contexto da década de 1970 as finais disputadas pelo Frankfurt sejam as partidas mais importantes do clube durante esse período. No entanto, a maior exibição da equipe na época (e provavelmente uma das maiores de sua história) foi em uma outra partida, mais precisamente na décima quinta rodada da Bundesliga, durante a temporada 1975-1976. O desempenho do Frankfurt naquele dia é considerado até hoje como o maior da história do clube na Bundesliga. Incrivelmente, o adversário nesse confronto era o Gigante da Baviera, o Bayern de Munique.

Em novembro de 1975, a equipe do Frankfurt estava apenas na décima posição da Bundesliga, com sérias dificuldades não só para vencer jogos fora de casa, mas também no antigo Waldstadion. Era uma campanha extremamente decepcionante em se tratando de um time que acabara de conquistar o bicampeonato da Copa da Alemanha. Isso não correspondia às expectativas para a temporada, pois elas eram boas e estavam embasadas no ótimo elenco do Frankfurt com jogadores como: Bernd Nickel, Bernd Hölzenbein, Willi Neuberger, Rüdiger Wenzel, Peter Reichel e, o craque do time e campeão da Copa do Mundo de 1974 com a seleção alemã, Jürgen Grabowski.

Equipe do Eintracht Frankfurt para a temporada 1975-1976 (Foto:Bild)

Jürgen Grabowski, considerado por muitos o maior jogador da história do Eintracht Frankfurt (Foto: Imago Sportfotodienst)

Assim como nos dias atuais, o Bayern em 1975 era uma potência. Vinha de dois títulos consecutivos na Copa dos Campeões da Europa e de um tricampeonato na Bundesliga. Possuía um elenco formidável com craques que deixariam seus nomes marcados na história do futebol, entre os quais: Sepp Maier, Franz Beckenbauer, Gerd Müller e, o então jovem e talentoso, Karl-Heinz Rummenigge. Mesmo com todos esses atributos, o Bayern chegaria para o confronto contra o Frankfurt apenas na quarta colocação do campeonato.

A grande equipe do Bayern de Munique celebrando as conquistas em 1974 (Foto: Imago Sportfotodienst)

Em grande parte, isso se deve ao fato de que o Bayern não estava numa boa fase nas semanas que antecederam ao jogo. Os bávaros estavam tendo um desempenho muito fraco, particularmente nos jogos fora de casa, com um ataque que estava se mostrando ineficiente. Parte significativa dos problemas era ocasionada pela ausência de seus dois artilheiros, Gerd Müller e Uli Hoeness. Ambos estavam lesionados por um período significativo, e não estavam aptos fisicamente para a partida contra o Frankfurt. Além deles, Rainer Zobel também não participaria do jogo.

O ressurgimento do Eintracht Frankfurt naquele período passou diretamente pelo intenso trabalho que o treinador da equipe, Dietrich Weise, fez com seus jogadores. Ele debateu diretamente com os atletas a respeito do que havia dado errado nas partidas anteriores. Um grande esforço em conjunto entre comissão técnica e jogadores levou a equipe para quatro semanas de intenso treinamento para evitar que os erros cometidos se repetissem. Os resultados apresentados depois disso se mostraram impressionantes: o Eintracht Frankfurt eliminou o Atlético de Madrid na Recopa da UEFA (com duas vitórias por 2 a 1 e 1 a 0), o VfL Bochum foi impiedosamente goleado por 6 a 0 e um bom empate em 3 a 3 foi conquistado fora de casa contra o Colônia (ambos resultados pela Bundesliga). Nesse momento é que ocorre a partida contra o Bayern, em que todo o potencial do Frankfurt aflorou num resultado que entraria para a história do clube.

Dietrich Weise, treinador do Eintracht Frankfurt entre 1973 e 1976 (Foto: Imago Sportfotodienst/Kicker)

O jogo começou com uma intensa pressão do ataque do Frankfurt. Numa cobrança de escanteio para a área do Bayern, Rüdiger Wenzel estava totalmente desmarcado e, sem nem precisar saltar, cabeceou para o gol abrindo o placar para o Frankfurt. A medida em que a partida prosseguia, se tornava claro que Josef Weiss não se mostrava capaz de marcar o melhor jogador do Eintracht Frankfurt, Jürgen Grabowski. Apenas Dettmar Cramer, treinador do Bayern, sabia a razão de ter escolhido Weiss como o principal marcador de Grabowski, quando possuía jogadores mais experientes disponíveis no elenco, tais como Franz Roth ou Jupp Kapellmann. Essa opção se mostraria desastrosa para os bávaros.

Escalação dos dois times para a partida (Imagem: Footballuser/Rafael Mateus)

Aos 17 minutos, falta indireta próxima da área do Bayern. Grabowski toca a bola para Bernd Nickel, e este deu um chute forte de pé esquerdo na direção do gol bávaro. Um Sepp Maier imóvel apenas acompanha a bola estufar as redes: 2 a 0 para o Eintracht Frankfurt. Procurando responder ao volume de jogo do adversário, um Bayern com dificuldades tentava se impor, mas naquela partida sua atuação se resumia a uma mistura de azar e passes imprecisos. A verdade é que o Gigante da Baviera estava irreconhecível sem Müller e Hoeness no comando do ataque. Dessa forma, o time não conseguia passar pela defesa bem postada do Frankfurt.

Em contrapartida, tudo o que o Eintracht Frankfurt fazia de uma maneira ou de outra dava certo. Um bom exemplo disso é o terceiro gol, que ocorreu aos 28 minutos. Depois de receber um passe de Bernd Nickel na esquerda, Jürgen Grabowski correu em direção a linha de fundo. O que se seguiu foi um misto de talento individual e sorte. Grabowski com um chute com a parte externa do pé esquerdo coloca uma curva incrível na bola. Há dúvidas se ele desejava mesmo chutar diretamente para o gol ou se buscava algum companheiro bem posicionado na área. Fato é que a bola bate na trave e entra: 3 a 0 para o Frankfurt. Enquanto os jogadores do Bayern olhavam para o chão resignados pelo que estava acontecendo, o estádio inteiro aplaudia em êxtase.

Aquele gol de Grabowski foi um golpe duríssimo para os bávaros. Era praticamente impossível reverter aquela vantagem de 3 a 0 para o Frankfurt da maneira em que a partida transcorria, ainda mais porque era o jogo mais brilhante da vida de Grabowski. Ele parecia estar por todo o campo, inspirando seus companheiros de equipe com seus passes milimétricos e ideias surpreendentemente criativas. Aos 40 minutos, Grabowski com um passe espetacular encontra Bernd Hölzenbein no meio da área do Bayern. Ele domina a bola, com um giro se livra do marcador e dispara contra o gol de Sepp Maier. Era um gol à la Gerd Müller, só que para o Frankfurt: 4 a 0.

O primeiro tempo estava acabando, mas houve tempo para o Frankfurt marcar mais um gol. Willi Neuberger encontrou espaço na defesa do Bayern e correu em direção à área. Ele tocou para Nickel e, surpreendentemente, na dividida com a defesa do Bayern a bola encontra um Neuberger totalmente sem marcação. Sem dó, ele chuta para o gol e mais uma vez não havia nada o que Sepp Maier pudesse fazer. Os jogadores do Bayern se olhavam e em suas mentes uma pergunta surgia: “o que está acontecendo?” A resposta é que era a mais notável e emblemática atuação do Frankfurt na história da Bundesliga, e provavelmente uma das piores do Bayern de Munique.

Após o intervalo, Dettmar Cramer elaborou suas táticas e pediu para outro jogador, Jürgen Marek, para que marcasse Grabowski. Era uma decisão controversa, considerando que Jupp Kapellmann em encontros anteriores contra o Eintracht Frankfurt sempre realizou essa função com propriedade. É importante dizer que Kapellmann queria assumir no início do segundo tempo o lugar de Marek na marcação de Grabowski. Marek, assim como Josef Weiss, parecia completamente inócuo nessa função. Mesmo assim, Cramer disse para Kapellmann deixar Grabowski de lado a fim de auxiliar Rummenigge no ataque. Ainda que acreditasse numa improvável reação, foi uma decisão muito estranha (ou imprudente) de Cramer.

No segundo tempo, Grabowski continuou sendo o senhor da partida. Entretanto, e felizmente para o Bayern, tudo o que aconteceu no primeiro tempo não funcionou tão bem para Frankfurt no segundo. Ao contrário, com um Bayern completamente desmoralizado e irreconhecível, o Eintracht Frankfurt só conseguiu marcar mais um gol, desperdiçando uma enorme quantidade de chances de aumentar o placar. O sexto e último gol veio depois de Bernd Nickel cobrar um escanteio. A bola chegou sem muitas dificuldades para Sepp Maier, que poderia facilmente ter defendido. Entretanto, o goleiro decidiu dar um soco na bola para tirá-la da área. Num erro bisonho, e inexplicável para um goleiro de sua competência e gabarito, Maier acabou socando a bola para dentro de seu próprio gol. Era inacreditável, 6 a 0 para o Frankfurt.

Durante todo o segundo tempo, o Eintracht Frankfurt poderia facilmente ter aumentado ainda mais o marcador. No entanto, eles simplesmente não conseguiram converter em gols as diversas oportunidades que criaram. Sendo assim, para os bávaros o entendimento era de que tragédia poderia ser ainda maior. No final da partida, todos no Waldstadion tinham a sensação de que viram a história ser escrita: o Gigante da Baviera, então temido e bicampeão europeu, foi impiedosamente goleado pelo Eintracht Frankfurt. Jogadores, comissão técnica e torcida se uniram numa celebração que parecia a conquista de um título.

Depois da desastrosa partida, Franz Beckenbauer, como um verdadeiro líder, resolveu tomar as rédeas da situação. Mostrou sua total indignação com o ocorrido, chegando a pedir desculpas públicas aos torcedores. É evidente que esta partida indicou grandes falhas existentes no time do Bayern que parecia quase imbatível naquele período. O que se extraiu de positivo para os bávaros no jogo contra o Eintracht Frankfurt foram os poucos bons momentos que o jovem Rummenigge proporcionou. Num momento ruim ele não se escondeu e foi o único destaque de uma partida que nenhum torcedor do Bayern gosta de lembrar.

Mesmo com a melhora em seu desempenho, o Eintracht Frankfurt terminou a temporada 1975-1976 numa decepcionante nona colocação. Entretanto, a dinâmica de jogo demonstrada na sua recuperação durante a temporada permitiu que, após o jogo contra o Bayern, o Frankfurt ganhasse oito das doze partidas que se seguiram, bem como alcançasse as semifinais da Recopa da UEFA. Tão impressionante foi a melhora do ataque que, mesmo com a nona colocação na Bundesliga, terminaram com o melhor ataque do campeonato (79 gols marcados), superando nesse quesito até mesmo o campeão Borussia Mönchengladbach (66 gols marcados). O momento positivo do Frankfurt permaneceu na temporada seguinte, onde dessa vez terminou na honrosa quarta colocação.

Quanto ao Bayern, o momento ruim daquele período foi superado. Ainda que na Bundesliga tenha terminado o campeonato de 1975-1976 no terceiro lugar (atrás do vice Hamburgo e do campeão, e maior rival, Gladbach), a temporada foi coroada com conquista da Copa dos Campeões da Europa. Assim, o Bayern igualava o feito do Ajax de Cruyff conquistando consecutivamente três vezes a maior competição interclubes da Europa. Os anos se passaram e o Bayern continuou sendo uma das maiores forças do futebol mundial.

Já o Eintracht Frankfurt fez campanhas, na maioria das vezes, modestas na Bundesliga, até o rebaixamento na temporada 1995-1996. Depois da goleada sobre o Bayern, seus maiores êxitos foram as conquistas da Copa da Alemanha (temporadas 1980-1981 e 1987-1988) e da Copa da UEFA (1979-1980). Para desgosto dos torcedores do Frankfurt, o Bayern se vingaria da dolorosa goleada num impiedoso 7 a 2, em jogo válido pela Bundeliga no ano de 1981. De forma conclusiva, é possível entender que a goleada de 1975 é apenas uma frase mal colocada no livro repleto de glórias do Bayern, contudo para o Frankfurt é um dos capítulos mais importantes de sua história.

Paul Breitner atuando contra o Eintracht Frankfurt na goleada de 1981. Ele fez três gols nessa partida. (Foto: Imago Sportfotodienst)

Jürgen Grabowski, o "Mister Eintracht" comemorando a vitória na Copa da UEFA em 1980 (Foto: Imago Sportfotodienst)

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Rafael Mateus
Apenas alguém interessado por Arte, História e Futebol (aquele que vai além das quatro linhas).