A fase derradeira da Copa Libertadores da América de 2016 já bate à porta. A taça mais desejada do futebol sul-americano continua sendo o sonho de consumo de quatro equipes: Atlético Nacional, São Paulo, Boca Juniors e Independiente del Valle. O nome deste último clube pode lhe parecer pouco familiar. Pois bem, a equipe equatoriana está entre os semifinalistas da principal competição interclubes da América do Sul pela primeira vez. Pode-se dizer que, com o perdão do trocadilho, o Club de Alto Rendimiento Especializado Independiente del Valle vem apresentando alto rendimento e honrando o nome que carrega.

O clube da cidade de Sangolquí, que tem pouco mais de 75 mil habitantes, é a capital do cantão de Rumiñahui, localiza-se na província de Pichincha e fica a 25 minutos da capital federal Quito (geografia um pouco complexa, não?), é o quarto escrete do Equador a chegar à fase semifinal da Libertadores. Os primeiros foram o Barcelona de Guayaquil (vice-campeão em 1990 e 1998 e semifinalista em 1992), o Emelec (semifinalista em 1995) e a LDU de Quito (campeã em 2008). Os comandados de Pablo Repetto estão na Libertadores por terem sido o time de maior pontuação na temporada de 2015 no Equador.

Classificação dramática na pré-Libertadores

Guaraní do Paraguai foi a primeira vítima do Independiente del Valle na Copa Libertadores (Foto: Norberto Duarte/Getty Images)

A caminhada negriazul começou na fase preliminar, diante do Guaraní do Paraguai, o mesmo time que chegou à semifinal na edição passada - tendo, inclusive, eliminado o Corinthians nas oitavas. Em um Estádio Rumiñahui lotado - a capacidade da praça esportiva é de 8 mil pessoas, e o público da partida foi de 7 mil espectadores -, o Independiente largou na frente na eliminatória com gol do zagueiro Luis Caicedo.

Os últimos 90 minutos foram dramáticos, mas o gol marcado pelo atacante José Angulo no revés por 2 a 1 no Estádio Rogelio Livieres foi o suficiente para carimbar o passaporte à fase de grupos.

Prognósticos contrariados na fase de grupos

Vitórias contra o Melgar guiaram o Del Valle às cabeças do Grupo 5 da Libertadores (Foto: AFP/Getty Images)

O sorteio colocou o Independiente del Valle em uma chave complicada. O Grupo 5 lhe rendeu como adversários o Atlético-MG, o Colo-Colo e o Melgar. Na ordem, dois campeões continentais e uma equipe que voltava à principal competição da América do Sul após 32 anos. Teoricamente falando, Los Rayados não eram favoritos à classificação. Mas, com a bola rolando, a história foi outra.

A estreia foi em casa, frente ao Colo-Colo. Os visitantes saíram na frente, com o atacante Esteban Paredes. O volante Jefferson Orejuela deixou tudo igual.

Na segunda rodada, o Independiente enfrentou o Atlético na Arena Independência, onde perdeu por 1 a 0, gol de Lucas Pratto. Não levou ponto algum na bagagem, mas a atuação foi animadora. Ali se sentiram capazes de fazer algo mais no grupo. E a primeira vitória veio na jornada seguinte: 1 a 0 contra o Melgar, em pleno Peru. A noite foi do atacante Junior Sornoza.

Sornoza voltou a balançar as redes no reencontro com os peruanos. Abriu caminho para a vitória de 2 a 0 no Rumiñahui. Angulo fechou a conta. Com esse resultado e a vitória do Galo sobre o Colo-Colo, o time de Repetto chegou a sete pontos, assumiu a vice-liderança do grupo e, de quebra, eliminou o Melgar.

Galo sucumbiu em Sangolquí (Foto: Rodrigo Buendia/AFP/Getty Images)

Contra o Atlético, o conjunto negriazul novamente aproveitou o fator mando de campo. Inaugurou o marcador com o meia Bryan Cabezas logo aos cinco minutos. Foi vazado quatro minutos mais tarde, quando Júnior Urso recolocou os brasileiros na peleja. Eis que, ainda na primeira etapa, a estrela de Junior Sornoza voltou a brilhar: ele anotou dois tentos, um deles de pênalti. Pratto , também de pênalti, descontou na segunda etapa. Mas os três pontos foram para os equatorianos, que passavam a depender apenas de si mesmos para irem ao mata-mata. Contudo, o último compromisso não seria dos mais fáceis: o escrete teria pela frente o Colo-Colo, em Santiago.

Conforme o esperado, a postura adotada no Estádio Monumental David Aurellano foi defensiva. A pressão foi grande tanto no campo quanto nas arquibancadas, com direito a três bolas na trave dos donos da casa nos minutos finais. Los Rayados sofreram, porém suportaram a blitz do adversário e saíram de campo classificados. Não como líderes do grupo, tendo em vista que o Atlético-MG goleou o Melgar por 4 a 0 e foi a 13 pontos, deixando o clube do Equador para trás, com 11. Mas nada que os impedisse de festejar uma inédita classificação ao mata-mata.

Colo-Colo foi mais um campeão da América a cair diante do Independiente del Valle (Foto: Claudio Reyes/Getty Images)

Acostumado a superar dificuldades

Nem o mais otimista torcedor negriazul poderia imaginar que a boa performance no Grupo 5 era somente o início de uma epopeia. Como manda o regulamento, estava reservado ao Independiente del Valle, segundo melhor vice-líder da fase de grupos, o segundo pior líder. Justamente o River Plate, atual campeão do certame. Missão deveras complicada.

Como terminara em segundo lugar na sua chave, o Independiente teve de começar a eliminatória atuando como mandante. A equipe recebeu o River no Estádio Olímpico Atahualpa de Quito e destinou 100% da renda do jogo às vítimas do terremoto que atingiu o Equador no final de abril. O desastre deixou mais de 600 mortos e milhares de desabrigados. Era necessário unir o país enlutado, e o futebol foi visto como a melhor solução para tal. "Queremos ver os torcedores de todos os times, que venham com as suas camisas e que isso seja uma grande festa. Que o apaixonado pelo futebol assista a esta partida como uma ajuda às vítimas", disse o presidente do clube, Santiago Morales, à imprensa local à época. Mais do que nunca, o Independiente era o Equador na Libertadores.

"É o momento de unirmos", dizia a campanha dos Rayados: Independiente del Valle doou 100% da renda do jogo contra o River Plate às vítimas do terremoto que assombrou o Equador (Foto: Divulgação/Independiente del Valle)

Quem participou do ato solidário da Máquina del Valle pôde ver, também, um resultado emblemático. Os anfitriões venceram o gigante River por 2 a 0, com tentos dos goleadores José Angulo e Júnior Sornoza, este de pênalti, e levaram a Buenos Aires uma vantagem relativamente confortável.

Os Millonarios bem que insistiram, mas venceram o jogo da volta somente por 1 a 0 - gol contra de Luis Caicedo - e deram adeus à Libertadores precocemente. Depois de calarem o David Aurellano, os Rayados agora calavam o Monumental de Núñez. Ambos os feitos vieram graças a uma defesa bem armada, que demonstrava frieza para roubar a bola e afastar o perigo.

River Plate falhou na defesa do título (Foto: Juan Cevallos/AFP/Getty Images)

Nas quartas de final, o oponente foi o Pumas, outra grande sensação da Libertadores. A equipe mexicana era apontada como detentora de grande potencial para ser um "novo Tigres" - os compatriotas do Pumas chegaram à decisão do torneio continental ano passado. A UNAM, no entanto, não contava com a astúcia do del Valle. Os negriazules decidiram jogar novamente no Atahualpa e saíram na frente com dois gols de José Angulo. Fidel Martínez deixou o time da Cidade do México vivo na eliminatória.

A definição ficou para o Estádio Olímpico Universitário. Parecia que os donos da casa iriam passear quando Ismael Sosa fez dois gols em três minutos - o primeiro aos 15 e o segundo aos 17 da primeira etapa. Mas o Independiente engrossou o caldo e renovou as esperanças aos 20 minutos do segundo tempo, quando Júnior Sornoza anotou o tento que levou o confronto para os pênaltis.

Quis o destino que Ismael Sosa fosse o único a errar na disputa de penalidades máximas. Com cinco cobranças perfeitas, o time de Sangolquí avançou à semifinal. Mostrou mais uma vez que sabe lidar com momentos adversos e vem se convertendo como a agradável surpresa da Copa Libertadores de 2016.

Agora, o Independiente del Valle quer derrubar mais um gigante. Nesta quinta-feira (7), às 21h45, horário de Brasília, os equatorianos receberão o todo poderoso Boca Juniors, segundo maior campeão do continente, em Quito. Uma semana depois (14), o escrete visitará a temida La Bombonera. Independentemente do que venha a acontecer, Los Tayados já fizeram história.

Os destaques: José Angulo, Júnior Sornoza e Arturo Mina

O meia José Angulo e o atacante Júnior Sornoza têm dado muitas dores de cabeça às defesas adversárias. Eles são apontados como preciosas jóias do futebol equatoriano. Juntos, somam 11 gols na Libertadores: seis para Sornoza e cinco para Angulo.

José Angulo coleciona 25 jogos e 16 gols pelo Independiente del Valle. Formado nas categorias de base do clube, o jogador ascendeu à equipe profissional depois de anotar nove gols em seis jogos no time B. Devido ao seu apurado faro de gol, o jovem de 21 anos já é alvo do Grêmio, bem como de equipes do México e do continente europeu.

José Angulo (Foto: Divulgação/Independiente del Valle)

Sornoza, outra cria da Máquina del Valle, acumula 50 gols em suas duas passagens pela equipe (2011-2014 e 2015-atualmente), totalizando 133 partidas. Teve breve passagem pelo Pachuca, do México, em 2015. Foi pouco aproveitado e logo retornou aos negriazules. É veloz, habilidoso e ótimo articulador de jogadas. Nos rumores do mercado de transferências, o jogador de 22 anos tem seu nome associado ao Atlético-MG.

Júnior Sornoza (Foto: AFP/Getty Images)

Quem se destaca na defesa é o zagueiro Arturo Mina, 26 anos. Seus pontos fortes são os duelos individuais e os desarmes. Antes de chegar ao Independiente, Mina jogou na UTE (Universidad Tecnológica Equinoccial), na Deportiva Municipal e no Macará, todos do Equador. Os rumores do mercado já o aproximaram do Flamengo e do Atlético-MG.

Arturo Mina (Foto: Getty Images)

Dados: Soccerway

O técnico: Pablo Repetto

Pablo Repetto treina o Independiente del Valle desde 2011 (Foto: Juan Mabromata/Getty Images)

Quem comanda o Independiente del Valle é o uruguaio Pablo Repetto, de 42 anos. Considerado muito jovem para a função, ele está no clube desde 2011, sendo este o seu trabalho mais duradouro na área técnica.

Quando era jogador, Repetto integrou as categorias de base do Montevidéu Wanderers e do Racing de Montevidéu e tornou-se profissional no Fénix, também da capital uruguaia. Sua carreira foi muito curta devido às lesões.

Logo depois de pendurar as chuteiras, Pablo assumiu o Fénix e levou o clube de volta à primeira divisão nacional em 2007 - sendo, inclusive, campeão da segundona. Repetto também já treinou o Defensor, onde conquistou o Apertura de 2010, e o Cerro. O trabalho no del Valle é sua segunda experiência no exterior. Em 2009, ele comandou o Blooming, da Bolívia.

Em entrevista à Rádio ESPN FC, o comandante negriazul garante que o eventual favoritismo do Boca Juniors não assusta o Del Valle. "A história do Boca na Libertadores não pesa para nós", disse. "Mas não sei se a pressão dos torcedores pode pesar na decisão dos árbitros", completou.

Pablo Repetto atesta: seus comandados querem continuar fazendo história. "Nós pensamos em ganhar o primeiro jogo e, uma vez que tenhamos o resultado em mãos, veremos qual resultado nos convém buscar na Argentina. Você só se dá conta das qualidades e das fraquezas de um rival quando o enfrenta", afirmou.

Os ingressos para o jogo mais importante dos 58 anos de história do clube equatoriano se esgotaram em três dias, revelou o treinador. "Sentimos que todo o Equuador está conosco porque somos um time novo que dá espaço aos mais jovens, porque o clube não tem rivalidade com os outros. Ganhamos os jogos lutando muito e unimos o país depois do terremoto. Por isso a equipe tem todo esse apoio", sublinha.

Em outra entrevista, dessa vez para a Rádio La Deportiva, Repetto respondeu às recentes declarações do ex-jogador argentino Juan Román Riquelme sobre o escrete de Sangolquí. O ídolo xeneize afirmara que o compromisso seria muito fácil para o Boca. "Se ele analisasse resultados que conquistamos, como contra o Pumas, o Colo-Colo ou até antes com o San Lorenzo (1 a 1 em 2014), não diria essas palavras", rebateu. O uruguaio também recordou a eliminatória contra o River Plate. "Foi o jogo em que mais sofremos", disse.

Pablo reforçou: o Boca é o favorito. "Mas nós temos muita fé", pontuou.

História

Independiente del Valle tem 58 anos de história (Foto: Getty Images)

Inicialmente chamado de Club Social y Deportivo Independiente, a agremiação foi fundada em 1º de março de 1958 por José Terán, um morador de Sangolquí que era apaixonado por futebol. Ele formou o clube juntamente com outros quatro amigos: José Díaz, Jorge Atapuma, Tomás Zaldumbide e "Marino" Guayasamín. As cores iniciais da equipe eram o vermelho e o branco, em homenagem ao Club Atlético Independiente, de Avellaneda, Argentina.

Em 1977, dois anos depois da morte de José Terán, a diretoria decidiu mudar o nome do clube para Independiente José Terán. Em 2006, mais uma mudança, agora para a nomenclatura utilizada atualmente. O Independiente del Valle também trocou as cores: saíram o vermelho e o branco e entraram o azul e o preto.

Antes restrito às divisões amadoras do futebol nacional, o escrete chegou à primeira divisão em 2010, de onde nunca mais saiu. Lutou contra o rebaixamento nas duas primeiras participações, terminando ambas em 10º. Subiu de patamar nos campeonatos seguintes: foi quarto em 2012, vice-campeão em 2013 e 2014 e terceiro em 2015. Na atual edição, passadas 17 rodadas do primeiro turno, é o quinto colocado.

Os maiores títulos dos Rayados são uma taça da terceira divisão do Equador, conquistada em 2007, e um troféu da segunda divisão, adquirido em 2009.

Participações internacionais

Independiente del Valle venceu o Botafogo na Libertadores de 2014 com gol de Júnior Sornoza nos acréscimos (Foto: Getty Images)

Esta é a terceira participação do Independiente del Valle na Libertadores. Em 2014, a equipe ficou em terceiro lugar no Grupo 2, atrás do Unión Española e do San Lorenzo e à frente do Botafogo - tendo, inclusive, vencido o time carioca por 2 a 1 no Equador. Em 2015, foi eliminada pelo Estudiantes de La Plata na fase preliminar, com vitória por 1 a 0 em casa e derrota por 4 a 0 longe de seus domínios.

O clube também já jogou a Copa Sul-Americana. Em 2013, despachou o Deportivo Anzoátegui (0 a 0 na ida e 2 a 0 na volta) e foi eliminado pela Universidad de Chile (1 a 1 na ida e 3 a 1 na volta). Em 2014, superou o Trujillanos (1 a 0 e 1 a 1) e sucumbiu diante do Cerro Porteño (vitória de 1 a 0 no primeiro jogo e derrota de 3 a 0 na segunda partida).