Neste domingo (10), França e Portugal fazem o duelo mais importante e que encerrará esta Eurocopa. De um lado, uma seleção que chegou à competição entre as favoritas, tanto pelo fato de atuar "em casa" – mesmo tendo apenas um titular absoluto que joga dentro do seu país – quanto pelo crescimento conjunto nos últimos meses. De outro, uma equipe que chegou à Euro com diversas dúvidas, se reconstruiu algumas vezes dentro da competição e, das seis partidas disputadas no campeonato até aqui, venceu apenas uma ao fim de 90 minutos.

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Apesar do grande contraste entre as seleções, França e Portugal têm tudo para fazer um duelo bastante equilibrado e disputado em diversos aspectos. Além disso, há também a disputa entre valores individuais das duas equipes. Se os lusos apostam tudo e mais um pouco no poder de decisão de Cristiano Ronaldo, os franceses podem creditar muito do sucesso da equipe – especialmente na fase de mata-mata – ao atacante Antoine Griezmann, que vem de mais uma temporada brilhante no Atlético de Madrid, e agora atravessa um momento de constante evolução na parte derradeira da Eurocopa. Além disso, ele também é o artilheiro desta edição da Euro, com seis gols marcados.

A França "ideal" que não saiu do papel

Treinada por Didier Deschamps, a Seleção Francesa chegou à fase de grupos disposta a mostrar um futebol ofensivo que, ao mesmo tempo, pudesse trazer um poder de combate muito alto. Isso porque, além de ter muita velocidade e talento em seus jogadores de ataque, o time também possuía uma forte capacidade de recomposição e jogadores que fazem isso muito bem por seus clubes – Payet e Griezmann são excelentes na fase defensiva. Contudo, o trabalho não saiu tão parecido ao plano inicial.

Na fase de grupos, houve uma grande expectativa sobre essa equipe, que não conseguiu render o esperado. Em resultados, isso não foi tão nítido, afinal a França conseguiu duas vitórias e um empate e chegou às oitavas de final tranquilamente, como primeiro de seu grupo. Ainda assim, o rendimento do time dentro das partidas não foi o esperado, obtendo muita dificuldade para superar as linhas defensivas dos adversários, e buscando soluções alternativas a cada jogo.

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O plano inicial de ter três meio-campistas, com Kanté atrás de Pogba e Matuidi não foi tão proveitoso quanto se imaginava, muito por ter um time que trabalhava pouco as jogadas por dentro, sem tantas trocas de passe, mas sim explorando a intensidade dos atacantes abertos pelos lados do campo. De início, Griezmann e Payet começaram assim. Na estreia, contra a Romênia, o primeiro não conseguiu desempenhar bem a função. O segundo, mesmo que com algumas dificuldades sistemáticas, conseguiu ser o diferencial da equipe na primeira fase da Euro e encontrou espaços para definir jogadas em vários momentos de pouca eficiência ofensiva do time. Deschamps tentou mudar o panorama. Trocou Griezmann por Coman e inseriu outro velocista – Martial – na vaga de Pogba, para retornar ao 4-2-3-1, absorvendo melhor a qualidade de Payet – agora como meia centralizado – em encontrar espaços. A alternativa durou pouco.

França na estreia: Kanté atrás de Pogba e Matuidi, que buscaram avançar e romper as linhas do adversário; Griezmann, à direita, não conseguiu jogar tão bem. Payet, à esquerda, foi o diferencial (Reprodução: Blog Painel Tático)
França na estreia: Kanté atrás de Pogba e Matuidi, que buscaram avançar e romper as linhas do adversário; Griezmann, à direita, não conseguiu jogar tão bem. Payet, à esquerda, foi o diferencial (Reprodução: Blog Painel Tático)

Passada a fase de grupos, Deschamps decidiu retornar ao 4-3-3. Com a mesma escalação da estreia, a França passou muita dificuldade contra a Irlanda, especialmente pelas laterais do campo. A fragilidade nos lados do campo, na parte defensiva, fez com que Sagna e Evra sofressem bastante contra os velocistas adversários, e o time tivesse certa inferioridade na defesa. Além disso, Kanté não conseguia ter tanta facilidade na contenção como volante único, tendo a dupla Pogba-Matuidi mais à frente, com a tentativa de marcar à frente.

Entretanto, com a bola nos pés, a equipe conseguiu descobrir, na segunda etapa, a chave para uma parcial evolução no decorrer do torneio. Grande nome do jogo, Griezmann, autor dos dois gols franceses na virada por 2 a 1 nesse jogo, apareceu fazendo o que sabe de melhor: no terceiro quarto do campo, próximo à área adversária, encontrou espaços na defesa inimiga e apareceu em boas condições para marcar mais gols.

A "versão final" francesa; Griezmann como peça-chave do processo

Descoberto isso, o time azul passou a adotar o 4-4-1-1 desde o segundo tempo contra a Irlanda, bem como em toda a partida contra a  Islândia. Ali, com muita intensidade e ao seu estilo, a França conseguiu emplacar dois bons resultados – dentre elas, uma bela goleada – e atuou com superioridade, tendo Pogba capaz de romper as linhas de marcação adversárias, além de Griezmann à frente das duas linhas de 4, antes de Giroud, se movendo muito e encontrando espaços para finalizar e auxiliar o centroavante do time.

Somado a isso, veio a opção por Sissoko, especialmente contra os islandeses, que gera superioridade pelo lado de campo, tanto na fase ofensiva – com toda a sua rapidez para atravessar o campo – quanto na fase defensiva – com sua capacidade de recompor, correr muito e ajudar Sagna pela direita.

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O prognóstico se manteve até aqui. Mantendo o mesmo esquema, com a entrada de Umtiti na vaga de Rami na zaga, em um 4-4-1-1 sem Kanté, a França chegou às semis contando com toda a capacidade técnica de Payet – organizando o jogo desde a esquerda, ocupando o meio e deixando o corredor para Evra, Griezmann – ocupando espaços no terceiro quarto de campo e entrando na área com muita facilidade para o arremate, e Pogba, excelente na transição defesa-ataque, dando velocidade e verticalidade ao jogo francês.

No novo time, esses três jogadores se tornaram cada vez mais importantes. Além disso, há de se ressaltar a importância tática de Sissoko, que acabara de entrar na escalação desde o triunfo sobre a Islândia.

França com a bola no 4-4-1-1. Evra está no alto da imagem e irá ao campo de ataque contribuir com a amplitude do time, tendo jogo pelas laterais no campo ofensivo; Griezmann entre as linhas adversárias e se movimentando constantemente no terceiro quarto do campo é a peça-chave do sistema
França com a bola no 4-4-1-1. Evra está no alto da imagem e irá ao campo de ataque contribuir com a amplitude do time, tendo jogo pelas laterais no campo ofensivo; Griezmann entre as linhas adversárias e se movimentando constantemente no terceiro quarto do campo é a peça-chave do sistema

Contra a Alemanha – ainda mais forte que a equipe que foi campeã da Copa do Mundo em 2014 –, porém, ficaram evidentes muitas das fraquezas francesas. Durante o primeiro tempo, uma atuação muito inferior à dos germânicos, que, por muito pouco, não encontraram o gol. Com fragilidades de marcação, a França perdeu o jogo no meio-de-campo, e Matuidi, geralmente ocupador de espaços por ali, não conseguiu executar sua função de maneira brilhante.

Além disso, com um volume maior de meio-campistas, a Alemanha conseguiu dominar aquele setor durante toda a primeira etapa e fazer com que a eficiência adversária nos passes ofensivos fosse quase nula. Além disso, as jogadas vindas das laterais também foram um ponto fraco francês naquela partida: Kimmich, lateral na seleção germânica, conseguiu, por muitos momentos, superar Evra e ganhar imponência ofensiva partindo da direita.

Contudo, o pênalti de Griezmann e a intensidade do time no segundo tempo, que também culminou em um abatimento alemão e consequente queda de rendimento e ritmo, impulsionaram o time de Deschamps, que usou bem a velocidade de seus jogadores, as laterais e as boas entradas de Griezmann, em pontos-chave para que seu posicionamento seja ideal e letal à finalização. Tudo isso contribuiu para o 2 a 0 e a classificação para a final. Embora ainda não seja a França ideal, tampouco a melhor seleção da Euro em quesito de qualidade de atuação, pode utilizar esses pontos a seu favor e pensar na correção dos erros vistos contra a Alemanha para buscar o título em casa.

Em transformação, Portugal tirou tudo o que tinha para avançar

Desde o início da Euro, Fernando Santos já havia definido o seu esquema e maneira de jogar de sua equipe. Sem muito segredo: 4-3-1-2 com a bola nos pés, 4-4-2 sem ela. A estreia contra a Islândia foi a melhor partida portuguesa na primeira fase, e nela ficou bem nítido o que o time queria. Com a bola, muita movimentação entre os três meio-campistas, visando superar as linhas de marcação dos adversários, além de muita amplitude, tendo, além dos meio-campistas e atacantes, os dois laterais bem abertos no campo de ataque. Sem a bola, a marcação em linha, com muito poder de recomposição e rapidez.

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Assim, Portugal fez um ótimo primeiro tempo contra a Islândia e mostrou um "novo" Cristiano Ronaldo. Não tão individual, nem desequilibrador como o "salvador" da equipe, devido a diversas questões. Com a idade um pouco mais avançada, o camisa 7 já não usa tanto a velocidade e a mobilidade com a bola como em anos anteriores. Não é condutor da pelota para quebrar linhas assim no Real Madrid, tampouco com sua seleção. Entretanto, usa em Portugal o que tem de melhor: sua inteligência tática para ajudar o time a coordenar as ações ofensivas – recua e ajuda na construção do jogo – e se move com muita lucidez e intuição, buscando estar no espaço certo para o arremate final. Ao seu lado no ataque, surpreendentemente, aparece Nani - que fez exibições interessantes sem estar nas beiradas do campo.

Porém, os constantes erros defensivos, somados a atuações um pouco abaixo da média fazem com que Portugal encerre a primeira fase com três empates – contra Islândia, Áustria e Hungria – e tenha em Cristiano Ronaldo, autor de dois gols e uma assistência no terceiro jogo, um fator de desequilíbrio, apresentando tudo o que foi dito no parágrafo anterior acrescido a toda a sua qualidade individual, inquestionável, e seu poder absurdo de decisão.

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A seleção avança, e as mudanças continuam. O 4-3-1-2 segue intacto, mas as peças se alteram bastante durante a competição. Pepe, de grandes atuações nesta Eurocopa, com toda a sua capacidade de coordenar a última linha e antecipar jogadas, teve alternâncias entre Ricardo Carvalho, José Fonte e Bruno Alves como seu parceiro de zaga. No meio-campo, apenas João Mário conseguiu se manter na titularidade durante toda a campanha. Como primeiro homem entre os volantes, Danilo Pereira começou o torneio como titular, mas perdeu espaço para William Carvalho. Na semifinal, Danilo recuperou a vaga após suspensão de seu concorrente de posição e, curiosamente, atuou nos dois melhores jogos de Portugal nesta Euro – contra Islândia e País de Gales.

Além deles, André Gomes, geralmente o meio-campista por um dos lados, perdeu espaço para a jovem e grata revelação Renato Sanches, que jogará no Bayern de Munique na próxima temporada. À frente, João Moutinho, um dos grandes símbolos desta equipe, perdeu espaço e foi substituído por Adrien Silva na função de ser o último homem por trás dos dois atacantes.

Portugal na estreia contra a Islândia: 4-3-1-2; Danilo iniciando a jogada, com João Mario e André Gomes como meio-campistas pelos lados. Todos eles integrantes da nova geração portuguesa, como Guerreiro, o lateral-esquerdo, que dá amplitude ao time. Novidade é Cristiano Ronaldo ajudando a armar o jogo (Reprodução: Taticamente Falando)
Portugal na estreia contra a Islândia: 4-3-1-2; Danilo iniciando a jogada, com João Mario e André Gomes como meio-campistas pelos lados. Todos eles integrantes da nova geração portuguesa, como Guerreiro, o lateral-esquerdo, que dá amplitude ao time. Novidades são Cristiano Ronaldo ajudando a armar o jogo e João Moutinho de "10", por trás da dupla de ataque (Reprodução: Taticamente Falando)

Guiado por Cristiano Ronaldo e muitos jovens, time luso cresceu nas fases finais

Na frente, a expectativa talvez fosse por uma recuperação de Quaresma – que veio muito bem nos amistosos pré-Euro – e um trio ofensivo com Nani e Cristiano Ronaldo. Não aconteceu. Substituto importante durante a competição, o jogador das trivelas, que decidiu o confronto contra a Croácia, com vitória por 1 a 0 na prorrogação das oitavas de final, viu o novo esquema minar suas chances de titularidade. Isso também ocorreu devido ao bom encaixe dos ex-jogadores do Manchester United que compõem a dupla ofensiva. Assim foi contra Gales, em ótima atuação de ambos. Cristiano, como em muitos momentos, encontrando espaços no momento certo para arrematar e liquidar o jogo; Nani com toda a sua mobilidade para "arrastar" os zagueiros adversários. 

Contra a França, os lusos terão de repetir o que fizeram de melhor nesta competição para levar o título tão sonhado, para assim conseguirem algo que os faz ter pesadelos até hoje: levar um país-sede à derrota na final. Contra o time de Deschamps – que ataca com mais velocidade e é mais intenso que qualquer um dos adversários que Portugal enfrentou até agora, considerando toda a diferença de Gales sem Ramsey –, Fernando Santos precisará trabalhar muito bem a troca de passes e a circulação contínua e intensa de jogo, apostar em seus laterais para buscar superioridade contra Sagna e Evra e, claro, apostar em toda a capacidade de encontrar oportunidades que Cristiano Ronaldo tem, como o craque que é. Partindo disso, e de todo o diferencial do "CR7" nesse apoio coletivo, a Seleção Portuguesa tem muitos motivos para sonhar com o que antes era apenas uma inimaginável conquista.