Em alguns casos, a despedida de um ídolo pode fazer com que um povo inteiro se sinta órfão​. Foi assim que a torcida da Roma se sentiu no último mês, quando Francesco Totti vestiu a camisa giallorossa pela última vez. Depois de 25 anos atuando pelo clube, o camisa 10 encerrou sua carreira com a equipe da capital italiana e, no seu adeus, recheado de emoção, demonstrou "mais do que nunca que é", como muitos dizem, um romano e romanista.

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Marcos Assunção, hoje aposentado, passou três temporadas na Roma, onde conviveu com um Totti ainda jovem, mas que já demonstrava grande talento, segundo palavras do próprio. Com passagem importante pelos giallorossi, o brasileiro participou da última conquista da Serie A pelo time, na temporada 2000/01, ao lado de nomes como Gabriel Batistuta, Vincenzo Montella, Aldair e Cafu. Em entrevista exclusiva à VAVEL Brasil, o ex-meia falou sobre o clima no clube e a importância do Capitano para o time.

Marcos Assunção chegou à Roma na temporada 1999/00, deixando o clube após o fim de 2001/02 (Foto: Grazia Neri/Getty Images)
Marcos Assunção chegou à Roma na temporada 1999/00, deixando o clube após o fim de 2001/002

O ex-jogador deixou claro que a faceta de torcedor de Totti se mostrava principalmente nos jogos contra a Lazio, no Derby Della Capitale: "Totti incorporava mais [a rivalidade]. Aí, ele sempre tinha uma comemoração especial. A vibração dele era sempre maior, por ser romano e romanista, ter crescido na Roma. Para ele, era sempre muito especial, junto com o Nesta, se não me engano também de Roma, mas laziale [alcunha ao torcedor da Lazio]", contou Assunção.

Marcos Assunção e Totti ajudaram a Roma na conquista da Serie A da temporada 2000/01

Falando sobre o Capitano em específico, Marcos Assunção demonstrou gratidão pela oportunidade de ter jogado ao lado de Totti, relembrando o título italiano de 2000/01. "É muito gratificante para mim ter jogado ao lado dele durante três anos, é muito bonito de se ver [homenagens pela despedida]. Pude contribuir, de alguma maneira, na maior conquista dele. Pode ter certeza de que tudo que aconteceu com ele foi maravilhoso", declarou.

Confira a entrevista com Marcos Assunção na íntegra

VAVEL BRASIL: "Você passou três temporadas na Roma, seu primeiro time fora do Brasil. Como foi essa experiência? A companhia de outros brasileiros como Cafu, Aldair e Zago ajudaram na adaptação?"

Marcos Assunção: "Em todos os clubes onde joguei sempre tive sorte de chegar e ter brasileiro, principalmente na Roma. Foi onde mais tinha brasileiro, tinha o Fabio Junior também. Me ajudaram muito na adaptação, na minha estadia lá, até porque não sabia me locomover, era um garoto chegando, com 22 anos. Os três primeiros já estavam lá há muito mais tempo, Aldair principalmente. Foi superfácil [me adaptar], até porque jogar futebol é igual em qualquer lugar, então a única coisa que tive um pouco de problema foi questão de ritmo de jogo, a maneira como jogam lá, que é diferente daqui [Brasil]. No primeiro ano tive dificuldade, depois foi tudo certo. A grama lá é muito baixa. Aqui, só com as novas arenas, começaram a jogar com campo molhado, grama baixa. Quando fui para a Itália, eram todos os campos com grama muito alta. Única dificuldade foi essa, jogo mais rápido, bola corria mais rápido, mas coisa de alguns meses. Tudo encaixou depois e fiz alguns gols importantes, principalmente na época do scudetto. Foram três anos muito bons, não tenho do que reclamar, só agradecer as pessoas de Roma e os brasileiros que lá estavam que me deram toda essa tranquilidade e aos amigos que conheci lá de Roma."

VAVEL BRASIL: "Você passou pela Roma num momento em que haviam alguns brasileiros por lá, como é bem comum. Como era a relação de Totti com os brasileiros?"

Marcos Assunção: "O Totti era muito gente boa, não só com os brasileiros. A Roma sempre monta o time com muitos estrangeiros, tínhamos muitos argentinos, uruguaios, na época. Era um cara muito gente boa, ídolo, com 22 anos já era ídolo do time. Era uma referência no clube. Nos três anos que passei lá, foram todos grupos muito bons. Jogadores muito unidos, tinha muita diversão, mas na hora de jogar, todos tinham seriedade. Sempre foi bem bacana."

Da esquerda para a direita, em apresentação do elenco: Cafu, Delvecchio, Antonioli, Assunção, Batistuta, Rinaldi, di Francesco, Totti, Candela, Mangone, Samuel (Foto: Grazia Neri/Claudio Villa/Getty Images)
Da esquerda para a direita, em apresentação de pré-temporada: Cafu, Delvecchio, Antonioli, Assunção, Batistuta, Rinaldi, di Francesco, Totti, Candela, Mangone, Samuel (Foto: Grazia Neri/Claudio Villa/Getty Images

VAVEL BRASIL: "Muito se fala do estilo de liderança do Totti, e você acabou tornando-se capitão de muitas equipes ao longo da carreira. O quanto Totti lhe influenciou em como ser um líder dentro de um elenco?"

Marcos Assunção: "Em questão de liderança, tinham muitos. O Aldair tinha sido campeão do mundo. Tenho a mesma idade que o Totti, tinha gente muito mais experiente, como Cafu, Aldair, Antonio Carlos. Totti não tinha tanta liderança [à época], mas tinha grandes jogadores do lado. Tinha Candela, Antonioli, Batistuta, Balbo, muitos jogadores que tinham muito mais experiência que eu, que ele, pela idade que tínhamos. Não tínhamos só um líder, mas sim vários líderes que já tinham conquistado muitos títulos importantes no futebol. Essa liderança era conjunta, até por ele ser novo na época. Com 25 anos, fui embora. A liderança dele passou a ser maior depois, quando ele passou a ter mais experiência. Naquela época nossa, tinha muitos mais líderes. Ele já demonstrava talento e uma qualidade muito boa, muito grande, e tá aí o que ele se tornou, o que já era na época, com 22 anos e agora, com 40, tudo que aconteceu com ele nesses anos que eu saí de lá, pode ter certeza que foi tudo maravilhoso, que ele aprendeu muito e soube liderar muito bem essa garotada nesses anos todos que passou no clube, passando talento e experiência para quem está lá agora."

Vibração de Totti com título de 2000/01 entrou para a história e Assunção relembra a conquista com carinho (Foto: Gabriel Bouys/AFP)
Vibração de Totti com título de 2000/01 entrou para a história e Assunção relembra a conquista com carinho (Foto: Gabriel Bouys/AFP)

VAVEL BRASIL: "Um dos maiores clássicos do mundo é o Derby Della Capitale, entre Roma e Lazio. Costuma-se dizer que esse jogo é como um campeonato à parte. Isso é verdade? Como os jogadores encaram o clássico? Você venceu dois, como é essa sensação? A atmosfera fica diferente depois da vitória?"

Marcos Assunção: "Com o perdão da palavra, é f***. Joguei clássico aqui, no Rio só não joguei Fla-Flu. Em Roma, Sevilla, é f***. É complicado, cara. Quando antecede a partida, na semana, a melhor coisa é ficar em casa, fazer só trajeto treino-casa, para não ter problema com torcedor, porque são muito fanáticos. Quando se ganha, como ganhei, a cidade para. É uma festa só, muito gostoso. É uma rivalidade muito grande mesmo. É melhor ganhar o Derby do que ganhar o campeonato, muitas vezes. Totti incorporava mais essa rivalidade. Aí, ele sempre tinha uma comemoração especial. A vibração dele era sempre maior, por ser romano e romanista, ter crescido na Roma. Pra ele, era sempre muito especial, junto com o Nesta, se não me engano também de Roma, mas laziale. Duas pessoas que incorporavam e vestiam a camisa da Roma e da Lazio e eram suas segundas peles. Eles incorporavam muito desse jogo, davam muita importância e mais ainda pra nós, que éramos de fora. Essa rivalidade de Roma e Lazio se traduzia em Totti e Nesta. Era uma coisa bem diferente."

VAVEL Brasil: "O que você pensa sobre as diversas homenagens que foram feitas por torcidas de Lazio e Milan, por exemplo, para Totti neste último mês?"

Marcos Assunção: "Independente de ele ter jogado na Roma, a Lazio é outra equipe da cidade. Não só os torcedores da Lazio, mas de outras equipes, sabem o valor que o Totti tem, a contribuição que ele deu pro futebol e o ídolo que ele é, não só na Roma, mas no futebol mundial. Foi muito gratificante pra mim ter jogado ao seu lado por três anos, é muito bonito de se ver [as homenagens]. Pude contribuir para a maior conquista dele, que foi o título italiano [de 2000/01], então é coisa que temos que parabenizar todos os torcedores de todas as equipes que fizeram que a sáida do Totti da Roma fosse uma grande festa."

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Sobre o autor
Gabriel Menezes
Jornalismo na UFRJ. Coordenador e setorista de Botafogo; Coordenador de Futebol Americano e Italiano