Resultado de uma fusão entre o Paris FC e o Stade Saint-Germain no ano de 1970, o Paris Saint-Germain surgiu com o objetivo de colocar a capital francesa em evidência no futebol nacional, à época dominado pelo Saint-Étienne e pelo Olympique de Marseille, até hoje os maiores campeões do país, com 10 e nove títulos, respectivamente. Hoje, 47 anos após sua fundação, o PSG parece não ter limites para chegar ao topo da pirâmide do futebol nacional e para elevar seu patamar a nível continental. Na última semana, gastou € 222 milhões, o equivalente a R$ 820 milhões na cotação atual, para contratar o atacante brasileiro Neymar Júnior junto ao Barcelona, nesta que foi a transferência mais cara da história do futebol.

Entre os responsáveis por esta mudança de nível do clube parisiense está o empresário catari Nasser Al-Khelaifi, dono da Qatar Sports Investments (QSI) e presidente da Federação Catari de Tênis (QTF), além de mandatário do próprio PSG. Apesar de ter sido jogador de tênis, Al-Khelaifi viu o futebol como mapa da mina para os seus negócios exorbitantes..O grupo QSI adquiriu o Paris SG em 2011, dois anos depois da definição do Catar como país-sede da Copa do Mundo de 2022, em uma eleição rodeada por denúncias de corrupção para compra de votos até hoje.

Nasser Al-Khelaifi é dono e presidente do PSG desde 2011 (Foto: Getty Images)

De 2011 para cá, o Paris Saint-Germain conquistou quatro títulos da Ligue 1 (tinha apenas dois), três da Copas da França (já tinha oito), quatro Copas da Liga (tinha três), e cinco Supercopas da França (tinha duas). Hoje é o maior campeão das copas domésticas e está a quatro títulos do maior campeão francês. Os investimentos e os lucros não param de aumentar - o clube, inclusive, espera, até o fim da temporada, lucrar o dobro do que gastou com a compra dos direitos federativos de Neymar. O que falta para concretizar a mudança de patamar da agremiação é a Uefa Champions League.

Desde que atingiram o status de "novo rico", os Parisiens ainda não passaram das quartas de final da maior competição do Velho Continente. O camisa 10 da Seleção Brasileira - e, agora, camisa 10 do PSG também - tem a missão de guiar o time de Paris a caminhos jamais trilhados. Claro, o elenco detém muitos atributos técnicos e o mérito de uma hipotética conquista inédita da "orelhuda" seria coletivo. Contudo, a contratação do talentoso Neymar, sendo ele um jogador ambicioso em termos de resultados em campo, pode ser o salto de mentalidade do qual o clube necessita para ser tão galático quanto o Real Madrid, o Barcelona ou o Manchester United. A grande festa da torcida vermelha e azul em sua apresentação no Parc des Princes não foi à toa.

Vale lembrar: na temporada 1995/1996, o Paris Saint-Germain de Raí e cia. conquistou a antiga Taça dos Vencedores de Taças, competição internacional a qual envolvia os vencedores das copas nacionais espalhadas pela Europa, ao eliminar Molde (Noruega), Celtic (Escócia), Parma (Itália) e Deportivo La Coruña (Espanha) e derrotar o Rapid Viena (Áustria) na grande decisão, realizada no Estádio Rei Balduíno, em Bruxelas, capital da Bélgica. Ou seja, os Rouge et Bleu já possuíam um título continental antes do nadar em dinheiro.

Mas, então, qual é a relevância do Catar, terra natal de Nasser Al-Khelaifi - mais do que isso, lugar onde ele construiu sua fortuna - e nação a qual está por trás do crescimento do clube da capital da França, no cenário mundial?

Economia, política, história, geografia e números

Catar é banhado pelo Golfo Pérsico, faz fronteira com a Arábia Saudita ao sul e fica próximo ao Bahrein (Foto: Reprodução/Google Maps)

Rico em petróleo e gás natural, o país pertenceu ao Reino Unido até 1971, ano de sua independência. Faz fronteira com a Arábia Saudita ao sul e é banhado pelo Golfo Pérsico, fato que o coloca como território privilegiado no setor do comércio marítimo e no turismo. Ainda no aspecto geográfico, fica próximo ao Bahrein, país insular também banhado pelo Golfo Pérsico.

No âmbito político, é um emirado absolutista comandado pelo clã Al-Thani desde o século XIX. Em outras palavras, o poder político é hereditário. O atual emir é o xeque Tamim bin Hamad Al-Thani. Em 1995, o país passou por um golpe de Estado, no qual o xeque Hamad bin Khalifa Al-Thani depôs seu pai, Khalifa bin Hamad Al-Thani, para assumir o poder.

Assentamentos e ferramentas da Pré-História, mais precisamente da Idade da Pedra, descobertos no Catar revelam que a habitação humana por ali começou há mais de 50 mil anos.

O local era um famoso centro de criação de cavalos e camelos durante o Califado Omíada, uma monarquia islâmica que durou entre os anos 661 e 750 e foi o segundo dos quatro grandes califados estabelecidos após a morte de Maomé.

A população do Catar é de 2,6 milhões de habitantes, distribuídos em uma área de 11.437 km², o que resulta numa densidade territorial de aproximadamente 146 pessoas por quilômetro quadrado. Se fosse uma unidade federativa do Brasil, seria maior apenas que o Distrito Federal; em termos de população, superaria Sergipe, Rondônia, Tocantins, Acre, Amapá e Roraima. Destes 2,6 milhões de pessoas, apenas 313 mil são nativos. Os mais de 2 milhões restantes são trabalhadores estrangeiros. A maioria vem de outros países da Ásia, como Índia, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Filipinas.

Os cidadãos cataris não pagam impostos.

Trabalho escravo, milhares de mortes e agressão à liberdade de imprensa nas obras da Copa do Mundo de 2022

Mas quem disse que tudo são flores nessa nação cheia de riquezas, que tem a missão de sediar a Copa do Mundo em 2022 e utilizá-la como peça central do seu desenvolvimento de infraestrutura? Muito pelo contrário. Por trás de um lugar cuja aparência é de paraíso e de um projeto ambicioso, que tem até construção de cidade (Lusail; projetada para abrigar 200 mil pessoas e ter um estádio com custo de US$ 45 bilhões), existem muitos episódios para se lamentar e com os quais se indignar.

Em maio de 2015, sete dirigentes da Fifa acusados de crimes como extorsão e lavagem de dinheiro foram presos na Suíça, país onde fica a sede da entidade controladora do futebol mundial. A partir daí, milhões de dólares foram congelados em contas secretas existentes em paraísos fiscais. Investigações não tardaram a começar. Existem acusações de compra de votos para a definição do país-sede da edição do Mundial de 2022, justamente o Catar.

Longe do território suíço, no país banhado pelo Golfo Pérsico, trabalhadores, os quais são imigrantes da Ásia e da África, reclamam das condições de trabalho. Fatam aos grandes veículos de imprensa do planeta que vivem em regime de escravidão. Os relatos denunciam remuneração baixa - muito menor que o prometido -, água e comida escassas, alojamento pequeno para tanta gente e exploração das empresas responsáveis pela infraestrutura local.

Acusações de compra de votos rondam confirmação do Catar como país-sede da Copa do Mundo de 2022 (Foto: Getty Images)

"O principal lugar onde trabalhei não era um bom ambiente. A maioria dos colegas não tinha estudado, e as empresas se aproveitam, já que eles não conseguem negociar. Eles viram ajudantes e recebem muito mal. Muitos acabam tendo que aceitar porque não têm como voltar a seus países e porque precisam do dinheiro para sustentar suas famílias. Eu mesmo estou mandando dinheiro para minha família. Todos dependem de mim, mas não posso contar como é viver aqui porque eles iriam me pedir para voltar", diz um operário do Quênia, em condição de anonimato, à emissora britânica BBC.

"As condições são terríveis. Você trabalha o dia todo com um calor extremo. Começa às 9h da manhã e fica lá todo o dia. Não tem água fria, só quente. É muito opressivo. Ninguém te escuta se você reclama. Uma vez fizemos greve porque não tinham pago nosso salário por um mês. A gerência não se importa com nossas queixas. A vida no Catar é muito cara. A empresa providencia um alojamento para nós, mas, com a comida e outros gastos, é muito difícil sobreviver. Tento mandar para casa o máximo que posso", completa o trabalhador.

Em maio de 2015, uma equipe da BBC foi detida no Catar enquanto fazia reportagem sobre as condições de trabalho nas obras para a Copa de 2022. Um repórter, um câmera e um tradutor tiveram os equipamentos confiscados e passaram dois dias na prisão. Além disso, foram proibidos de usar o telefone. As autoridades disseram que a ação foi uma questão de "segurança nacional" e que proibiram os profissionais de fazer algum telefonema, reportou a emissora.

O pesquisador dos direitos de imigrantes na Anistia Internacional, Mustafa Qadri, revelou à BBC que uma equipe de TV alemã foi detida pelo mesmo motivo. Ele também afirmou que as prisões de jornalistas e ativistas podem ser uma tentativa de "intimidar aqueles que procuram expor os abusos de trabalho no Catar".

Em nota, o governo catari alegou que a equipe do veículo de comunicação do Reino Unido "violou propriedades privadas". "A presença da BBC no Catar não era secreta e eles estavam focados em uma reportagem perfeitamente apropriada para o jornalismo", respondeu o grupo,

"Pressionado por sindicatos, pela Organização Internacional do Trabalho e pela imprensa estrangeira, o Catar descobriu que a Copa desenhada para ser a oportunidade para mostrar ao mundo um novo país também vai gerar exigências. A preparação e o escrutínio internacional estão forçando o governo a avaliar mudanças num sistema de exploração da mão de obra importada que permitiu erguer em tempo recorde uma metrópole sofisticada em pleno deserto e que, agora, faz surgir da areia os novos templos do futebol", escreve o jornalista Jamil Chade, correspondente do jornal brasileiro O Estado de S. Paulo no exterior, em reportagem.

​Relatório da Anistia Internacional sobre as condições de trabalho dos operários nas obras para a Copa do Mundo de 2022, no Catar (Foto: Divulgação)​

"Nenhum deles (os trabalhadores) sabia que existia uma investigação sobre a suspeita da compra de votos para sediar o Mundial. E poucos tinham consigo seus passaportes, confiscados pelos empregadores para os impedir qualquer fuga, organizar um protesto ou até mesmo mudar de emprego. Conhecido como sistema kafala, a lei no Catar exige que um trabalhador, para deixar o país, obtenha um visto de saída, mesmo sendo estrangeiro. As regras impedem a liberdade de associação e esses operários não podem ter carteira de motorista ou conseguir empréstimos em um banco. Quem decidir trabalhar para outra empresa pode ser punido com uma pena de três anos de prisão ou pagar US$ 13 mil, uma fortuna para esses operários", divulga Jamil.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, a secretária-geral da Confederação Sindical Internacional (ITUC), Sharan Barrow, revelou que o Catar tem acordo com 30 países os quais oferecem mão-de-obra barata. Nepal e Índia respondem por mais da metade do total de trabalhadores migrantes. Além disso, a força estrangeira de trabalho vem sendo aumentada para que os prazos estabelecidos pela Fifa para as obras da Copa sejam cumpridos.

De acordo com um relatório do próprio ITUC, de junho de 2015, mais de mil operários já morreram durante esses trabalhos, os quais tiveram início em 2010. Paralelamente a esse trágico panorama, os serviços de emergência dos hospitais recebem quase 3 mil pessoas por dia. E, conforme o órgão, o país-sede da Copa 2022 é conivente com tudo isso.

A projeção é de que, até a conclusão das obras, sete mil pessoas venham a óbito. O estudo também apontou que as empresas de construção usarão 1,8 milhão de trabalhadores durante esses 12 anos (2010-2022) e terão receita de US$ 15 bilhões (R$ 57 bilhões) com as obras dos estádios e a infraestrutura.

Em abril de 2016, depois de um relatório da Anistia Internacional, que denunciou até agressões físicas e sexuais, a Fifa criou um comitê para fiscalizar as obras para a Copa do Mundo de 2022. Até então, o carro-chefe do futebol se limitava a apoiar iniciativas do governo do Catar = por sua vez ineficientes, assim denunciaram as ONGs internacionais. O presidente da Federação Internacional de Futebol, Gianni Infantino, informou que a comissão investigadora é formada por "setores da sociedade civil e da Fifa".

Acusações de financiamento ao terrorismo

"O Catar financia o PSG e o terrorismo": faixa na torcida do Bastia antes do jogo contra o PSG, na Córsega, em 10 de janeiro de 2015 (Foto: Reprodução)

Há pouco mais de dois meses, ou seja, no início de junho deste ano, sete países árabes romperam relações diplomáticas com o Catar. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Iêmen, Líbia, Maldivas e Bahrein acusam esta potência petrolífera de financiar grupos terroristas como Estado Islâmico, Al Qaeda e Irmandade Muçulmana. Esta é a crise mais grave da história do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), grupo formado por Arábia Saudita, Catar, Kuwait, Omã, Bahrein e EAU.

Segundo a agência estatal saudita de notícias SPA, autoridades da Arábia Saudita tomaram a decisão "para proteger a segurança nacional dos perigos do terrorismo e extremismo". Além disso, os cataris foram expulsos da coalizão árabe que luta contra os rebeldess houthi no Iêmen.

Voos que passam pela capital do Catar, Doha, foram suspensos, ao mesmo tempo em que os países do Golfo bloquearam seus espaços aéreos para a Qatar Airways.

No final de maio, Egito, EAU, Arábia Saudita e Bahrein bloquearam sites de notícia cataris, incluindo a rede Al-Jazeera, a mais conhecida do Oriente Médio, depois da divulgação de comentários críticos aos sauditas, supostamente feitos pelo emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani.

Em sua defesa, o Catar chamou todas as acusações de "infundadas" e alegou que os comentários atribuídos ao seu emir são falsos, alegando que a divulgação destas aspas fizeram parte de um "vergonhoso crime cibernético".

Não é a primeira vez que acusações deste porte contra o país-sede da Copa do Mundo de 2022 vêm à tona. De acordo com o Jornal de Notícias, de Portugal, o Wikileaks divulgou, em 2010, um texto diplomático dos Estados Unidos, no qual a potência mundial apontava o Qatar como "o pior da região (do Oriente Médio)" em termos de lutar contra o extremismo islâmico juntamente com os EUA. Já faz tempo, não é?

Hora de avançar no tempo. Em janeiro de 2015, antes da partida entre Bastia e PSG, válida pela 20ª rodada da Ligue 1 2015/2016 e disputada na Ilha da Córsega, houve homenagem às 12 vítimas do atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo. Durante o minuto de silêncio absoluto, torcedores do Bastia formaram em faixa a frase "O Catar financia o PSG e o terrorismo".