*Libertas quae sera tamen = liberdade ainda que tardia

A inscrição na bandeira do estado de Minas Gerais nunca fez tanto sentido no mundo futebolístico. Tardou, mas a liberdade de Cuca chegou. O título da Copa Libertadores com o Atlético Mineiro liberta o técnico dos estigmas de azarado, perdedor e pipoqueiro. Até a madrugada de 25 de julho de 2013, Cuca nunca havia ganho nada mais expressivo que um campeonato estadual e era conhecido por montar excelentes times, mas que perdiam as decisões.

Foi assim na primeira chance que teve em um clube grande do futebol brasileiro, o São Paulo, em 2004. O técnico montou a equipe base do título da Libertadores e do Campeonato Mundial no ano seguinte, mas não se manteve no cargo porque foi eliminado da competição sul-americana de 2004 nas semifinais para o modesto e surpreende Once Caldas, da Colômbia, que se consagraria campeão daquela edição. Ainda no final daquele ano, Cuca assumiu o comando do Grêmio, mas não conseguiu evitar o rebaixamento da equipe gaúcha e se despediu para o Flamengo.

Entre setembro de 2004 e setembro de 2005, Cuca passou por quatro equipes diferentes - Grêmio, Flamengo, Coritiba e São Caetano – e foi mandado embora em todas. Muitos poderiam ter desistido ali, mas não Cuca. 

Em 2006, assumiu o comando do Botafogo e mais uma vez montou uma equipe que encantou o Brasil, mas não venceu. Em 2007, começou o ano praticando um bom futebol, chegou à final do Campeonato Carioca, mas foi derrotado pelo grande rival, o Flamengo. No Campeonato Brasileiro, o Glorioso foi líder até a 18ª rodada, porém terminou a competição na modesta nona posição. Enquanto entrava em declínio no Brasileirão, a equipe de Cuca ainda sofreu com uma eliminação improvável na Copa Sul-Americana, para o River Plate, da Argentina.

Com dois jogadores a mais e vencendo por 2 a 1, o Fogão permitiu a virada dos argentinos, foi desclassificado da competição continental e o técnico Cuca chegou a pedir demissão na entrevista coletiva. Curiosamente, retornou ao cargo menos de dez dias depois. No ano seguinte, um novo vice-campeonato estadual para o grande rival culminou na demissão do treinador, que passou por Santos e Fluminense mas não conseguiu desenvolver nenhum trabalho de destaque.

Em 2009, voltou ao Flamengo e viu o Botafogo vencer a Taça Guanabara e a sua torcida entoar gritos de que “vice é o Cuca”, mas teve sua vingança. Na final da taça Rio, as duas equipes se enfrentaram e o Mengão saiu vencedor, forçando uma final estadual. Na grande decisão, vitória rubro-negra na decisão por pênaltis e o primeiro título da carreira de Cuca.

Entretanto, um desempenho médio no Brasileirão fez com que o técnico saísse de Gávea e se transferisse para as Laranjeiras. Cuca assumiu um Fluminense em uma das maiores crises da sua história – o Tricolor se encontrava com 98% de chances de rebaixamento – e evitou o descenso do Fluzão. Mesmo tendo conseguido um milagre, o estigma de perdedor não abandonou o comandante naquele ano. Na disputa da Copa Sul-Americana, Cuca conseguiu levar sua equipe até a grande final, mas foi derrotado pela LDU e se sagrou vice-campeão mais uma vez na sua carreira.

Após um desempenho abaixo do esperado no Campeonato Carioca de 2010, o técnico foi demitido do Fluminense e acertou com o Cruzeiro. Na Raposa, montou outra excelente equipe, mas foi vice-campeão nacional naquele ano, perdendo o título para o seu ex-clube. Em 2011, conquistou o Campeonato Mineiro, seus comandados deram show na primeira fase da Copa Libertadores e chegaram, inclusive, a serem apelidados de “Barcelona das Américas”.

Entretanto, nas oitavas de final, Cuca fracassou mais uma vez. De novo o técnico teve pela frente o Once Caldas, carrasco de 2004, e foi eliminado. Depois de vencer por 2 a 1 na Colômbia o Cruzeiro decidiu em casa e perdeu a vaga depois de ser derrotado por 2 a 0, sendo eliminado precocemente da competição.

Meses depois, Cuca foi demitido do Cruzeiro e assumiu o Atlético Mineiro. Na sua primeira campanha, evitou um rebaixamento quase certo da equipe no Brasileirão. Depois, apostou em nomes como Ronaldinho Gaúcho, Jô e Victor e conquistou o Campeonato Mineiro de 2012 de forma invicta. Porém, o estigma de derrotado ainda o perseguia e o Galo foi eliminado nas oitavas de final da Copa do Brasil para o Goiás e, apesar de liderar por diversas rodadas, terminou a temporada no segundo lugar do Campeonato Brasileiro.

Em 2013 veio a libertação, mesmo que tardia. Na fase de grupos da Copa Libertadores, o Atlético Mineiro venceu cinco partidas e perdeu apenas uma, marcou 16 gols e terminou com a melhor campanha entre os dezesseis classificados. Nas oitavas de final, o Galo teria pela frente o São Paulo, equipe de tradição no torneio continental. Na primeira partida, no Morumbi, o Tricolor começou muito melhor, saiu na frente e dava a impressão de que Cuca seria eliminado precocemente mais uma vez.

Porém, o experiente zagueiro Lúcio foi expulso de campo, o Atlético conseguiu a virada e na segunda partida, no estádio Independência, goleou o adversário por 4 a 1, se garantindo nas quartas de final, aonde enfrentaria o modesto Tijuana no México. Na ida, mais emoção para o torcedor atleticano. Os mexicanos venciam até os 48 minutos do segundo tempo, quando brilhou a estrela de Luan, que havia acabado de entrar e empatou o jogo.

Na volta, os corações alvinegros foram testados mais uma vez. A partida estava empatada em 1 a 1 até o minuto final, quando o Tijuana teve pênalti para cobrar e outra vez parecia que o “azarado” Cuca seria eliminado de forma dramática. Mas a defesa de Victor na cobrança de Riascos mandou o Galo para as semifinais.

No confronto contra os argentinos do Newell’s Old Boys, mais drama. Na Argentina, o Galo foi derrotado por 2 a 0 e mais uma vez dado como eliminado. Entretanto, a força do Horto fez a diferença mais uma vez, o Atlético devolveu o resultado e se classificou nas penalidades, com Victor de herói mais uma vez.

Na grande final, o Atlético Mineiro teria pela frente a tradicional equipe do Olimpia, tricampeã da Libertadores. Em Assunção, o resultado foi o mesmo da semifinal e a equipe foi derrotada por 2 a 0.

Dessa vez, a volta seria disputada no Mineirão e, mais uma vez, Cuca era dado como derrotado pela grande maioria, ainda mais por não ter o Horto para devolver o resultado. Poucos acreditavam na vitória e Cuca era um deles. Ele não havia passado por tudo aquilo para entregar o título de bandeja para os paraguaios. E foi sofrido, como havia de ser.

Na primeira etapa, o Atlético não conseguiu criar e Victor teve que aparecer duas vezes para evitar o gol do Olimpia. Já no segundo tempo, Cuca abriu mão da tática e lançou ao campo a fé, a mesma que o acompanhou durante toda a sua carreira e que não o abandonou no pênalti contra o Tijuana e na disputa contra o Newell’s Old Boys. Quando Jô encarnou o espírito de Reinaldo e aproveitou a falha de Pittoni para abrir o placar no minuto inicial do segundo tempo, todo mundo passou a acreditar.

Quando Martin Silva brilhou a lá Ever Hugo Almeida e salvou o Olimpia em diversas oportunidades, Cuca parecia acreditar cada vez mais. O técnico parecia saber que toda a emoção estava programada, que a expulsão de Manzur iria acontecer. Cuca parecia saber que Leonardo Silva iria homenagear Dadá Maravilha, parar no ar como um beija-flor e anotar o segundo gol no apagar das luzes do Mineirão.

Com a mesma fé de sempre, Cuca parecia saber que a bola no travessão de Réver, a defesa de Silva no chute de Josué e o gol tirado em cima da linha por Miranda na prorrogação fossem acontecer. E que os pênaltis seriam os seus aliados mais uma vez, que Victor defenderia uma das cobranças e que a trave faria o seu papel para libertá-lo. E parecia saber que a madrugada de 25 de julho era o dia de provar que, como o próprio definiu, Cuca "não é azarado porra nenhuma".

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Sobre o autor
Guilherme Sacco
Editor-chefe da VAVEL Brasil. Fanático por esportes e, principalmente, por futebol, decidi ser jornalista para tentar ajudar o crescimento e desenvolvimento do esporte no país.