Quis o destino que, em menos de uma semana, um simples arqueiro paranaense fosse de herói à lenda. Do céu... ao céu. Quem diria que Danilo consagraria sua carreira e sua vida, com uma defesa utilizando seu pé. Isso mesmo. O lance que marcou a carreira promissora do goleiro não foi com as mãos, como fazia desde sua infância em Cianorte, no Paraná.

Na verdade, Danilo utilizou seus braços para algo maior durante sua passagem na Terra. Usou-os para abraçar e proteger por diversas vezes sua família. E quem diria, seu Marcos Danilo, à partir de hoje, milhões de pessoas ao redor deste mundo farão isto por você. Mesmo que a distância, seus braços, pelo menos por alguns instantes, não serão necessários. Assim como eles ficaram longe dos holofotes há uma semana atrás em Chapecó.

Quando as notícias começaram a chegar de Medellín na madrugada nesta terça-feira (29), o Brasil parou. Os corações se apertaram e a angústia tomou conta até de quem se perguntava: "Quem é esta tal de Chapecoense?". As horas foram se passando e infelizmente nem mesmo a fé de uma nação inteira foi capaz de evitar o inevitável. A esperança aos poucos foi retomada com a notícia de sobreviventes de um grave acidente aéreo. A Colômbia já era palco da maior tragédia da história do futebol mundial quando nomes foram surgindo. Exceções que adiaram sua partida para a competição mais importante de todas: Alan Ruschel, Jackson Follmann e Danilo.

Um jornalista e dois funcionários da companhia aérea também sobreviveram à tragédia

Antes de ter a confirmação de que o arqueiro havia sobrevivido ao desastre, os meios de comunicação já informavam sua morte. Sorte da família Padilha que um primo de Danilo recebeu um áudio em seu smartphone. Era um médico colombiano, infelizmente apenas adiando a tristeza de seus familiares, com a informação oficial de que o goleiro havia sido transferido para um outro hospital.

Nas horas seguintes, uma alegria e uma tristeza: o zagueiro Neto também havia sido socorrido ainda com vida, após oito horas de agonia no local do acidente. Mas o pai de Lorenzo perdeu sua última batalha. Nem mesmo o mais forte dos homens, um recém nomeado herói, foi capaz de vencer uma parada cardíaca.

O corpo se vai. Mas sua alma não. Ela fica com os amigos e familiares. E conosco permanece o legado de um jovem goleiro que contagiava todos à seu redor. E começamos a falar da trajetória de São-Danilo do início. Lá no noroeste do estado do Paraná.

De Curitiba a Chapecó. E de lá, para a eternidade...

Década de 80. Solitinho, Gilmar e Paulo Victor foram alguns dos goleiros que marcaram o Brasil na época. Em meio à este grande cenário nasceu Danilo, no dia 31 de julho de 1985, na cidade de Cianorte, localizada há aproximadamente 500km de Curitiba. Revelado pelo clube da cidade, conhecido pelos duelos históricos na Copa do Brasil de 2005 frente ao Corinthians, o goleiro colecionou passagens por Nacional-PR, Paranavaí, Operário de Ponta Grossa e Arapongas antes de retornar ao clube de sua cidade natal.

Comandado por Claudio Tencati, Danilo se tornou titular do Cianorte durante o Campeonato Paranaense de 2007, sendo o principal nome na campanha que levou a modesta equipe às quartas de finais da competição. Carregando em sua bagagem diversos acessos por equipes de menos expressão no cenário paranaense, Danilo experimentou em 2011 o gosto da idolatria ao chegar no Londrina.

Com 77 partidas pelo Tubarão, o Paredão Alviceleste obteve um aproveitamento de 63,64%

Novamente ao lado de Tencati, o goleiro chegou em um grande momento do Tubarão. Na gestão de Sérgio Malucelli, foi praticamente instantânea a identificação de Danilo com a torcida apaixonada do clube alviceleste. Pelo Londrina, o arqueiro foi o menos vazado durante duas edições do torneio estadual e por pouco não levou a equipe para a Série C do Campeonato Brasileiro em 2013, quando o clube parou traumaticamente nas oitavas de finais diante do Juventude. No mesmo ano, Danilo seria cedido por empréstimo ao clube onde se tornou Santo.

Danilo é um dos maiores ídolos recentes do Londrina (Foto: Divulgação/ Rodrigo Vilela)
Danilo é um dos maiores ídolos recentes do Londrina (Foto: Divulgação/ Rodrigo Vilela)

A Chapecoense vinha de uma crescente com dois acessos consecutivos no Campeonato Brasileiro. Na Série B, a equipe viu um dos maiores ídolos de sua história, o também arqueiro Nivaldo, se lesionar. Titular absoluto, a carreira de Danilo não decaiu mais desde então. Aos poucos o goleiro foi se consolidando como um dos grandes goleiros do país, principalmente em 2014, quando quase foi contratado pelo Corinthians. Mas foi neste ano que tudo aconteceu.

A Chapeterror já era um dos xodós do futebol brasileiro por se manter na elite pelo terceiro ano seguido desde seu acesso. Sempre com muita vontade dentro de campo e tendo ao seu lado a gloriosa Arena Condá, a Chapecoense enjoou rápido do fato de ter feito história no Brasil e decidiu alçar objetivos mais altos. Campeã Catarinense e sempre se mantendo no meio de tabela, a grande façanha do clube aconteceu neste segundo semestre.

Pela segunda vez em sua história de pouco mais de quatro décadas, a Chapecoense disputava uma competição internacional, a Copa Sul-Americana. O segundo maior torneio da América do Sul. Adentrando na segunda fase junto com as outras equipes brasileiras, a classificação foi sofrida diante do modesto Cuiabá. Tendo um placar agregado de 3 a 2.

Na fase seguinte, São Danilo operaria o primeiro de muitos milagres durante a competição. O adversário foi ninguém menos do que o maior campeão da história da Libertadores, o Independiente da Argentina. Após dois resultados sem gols, em Avellaneda e em Chapecó, a vaga para as quartas de finais foi decidida nas penalidades. O resultado final? Danilo pegou quatro cobranças dos argentinos e levou o Leão do Oeste para a próxima fase. Naquele instante o Santo também se tornava herói...

Danilo fez todos acreditarem que era possível. E não é que foi mesmo... (Foto: Nelson Almeida/ AFP)
(Foto: Nelson Almeida/ AFP)

O adversário das quartas de finais foi o Junior Barranquilla, também da Colômbia, como o adversário que a Chape não enfrentará na grande decisão. A derrota como visitante foi pouco perto da goleada de 3 a 0 na Arena Condá. Estava decretado. A Chapecoense estava nas semifinais da Copa-Sul Americana. O sonho estava cada vez mais vivo.

Seu último adversário pelo torneio foi o San Lorenzo, time do Papa Francisco e campeão da Libertadores de 2014. No Nuevo Gasómetro, os Cuervos saíram na frente, mas Ananias, peça chave da última grande equipe da saudosa Portuguesa, autor do primeiro gol do Allianz Parque de fora da área, com um chute rasteiro, fez a Chape comemorar seu último gol em gramados extrangeiros.

Na semana seguinte, diante de uma Arena Condá completamente tomada e empolgada com a oportunidade clara de avançar no torneio, a Chapecoense fazia sua penúltima partida antes da tragédia. E a mais marcante de sua história. Passando por bons e maus momentos, o tempo foi passando e o placar inalterado já era o suficiente para deixar o sonho nas mãos de todo povo de Chapecó.

Até que, há exatos 30 segundos do apito final, uma falta é marcada. Última chance do clube argentino empatar e sair com a classificação de Santa Catarina. Ortigoza levanta a bola na área, após bate e rebate Angeleri finaliza quase na pequena área. Danilo defende com o pé direito em cima da linha. Arena Condá explode.

A Chapecoense estava na grande decisão da Copa Sul-Americana. Antes da viagem à Medellín, a equipe ainda teve a honra de enfrentar o Palmeiras na partida que consagrou o Verdão eneacampeão brasileiro. Mas nada mais importa. O verdadeiro campeão da vida, da história do futebol brasileiro esteve, está e sempre estará na cidade de Chapecó...

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