Desde o ano de 1901, o dia 7 de abril nunca mais foi o mesmo no calendário de Pernambuco; Em um domingo, um grupo de jovens apaixonados por remo, com a liderança de João Victor da Cruz Alfarra, reuniu-se em um escritório de primeiro andar, no prédio da Companhia de Serviços Marítimos, no Cais da Companhia Pernambucana, no Recife, com o mesmo propósito: formar uma agremiação de esportes náuticos.

A primeira equipe de futebol do Clube Náutico Capibaribe formada em 1909.
A primeira equipe de futebol do Clube Náutico Capibaribe formada em 1909.

Finalmente era realizado o sonho daqueles rapazes, que já no final do século XIX, nos idos de 1897, formavam uma equipe de regatas chamada Recreio Fluvial. Surgiu o Clube Náutico Capibaribe. Muito mais do que isso: nasceu um clube que seria a alegria de muita gente. Não apenas nas águas do rio Capibaribe, mas também nos gramados. A partir de 1909, com um triunfo de 3 a 1 sobre o Sport Club do Recife, hoje o seu maior rival, o Náutico ingressou no futebol. Nascia, no antigo campo do British Club, o time que encanta, que manda e desmanda, que faz o nosso Carnaval.

Você disse Carnaval? Tem que falar do Timbu Coroado, o maior bloco carnavalesco de um time de futebol já registrado no planeta! Achou esta alcunha megalomaníaca? Desculpa, sou pernambucano. E diz a lei (daquelas que a gente cria na mente e espalha) que pernambucanos são extremamente bairristas.

Ah, o timbu, este animal peculiar da América do Sul, parente do canguru e cachaceiro. Qual outro clube no mundo tem o marsupial como mascote? A ligação surgiu de maneira inusitada, em um clássico com o América do Recife, em 19 de agosto de 1934. Era uma tarde fria e chuvosa. Os jogadores comandados por Joaquim Loureiro nem desceram para os vestiários no intervalo. Foram orientados ali no gramado mesmo. Eis que um dirigente traz uma garrafa de conhaque para aquecer e incentivar os atletas. A torcida adversária não perdoou: "Timbu! Timbu! Timbu!". O placar final, vejam só, foi 3 a 1 para o Náutico. E os jogadores deram o troco após o apito: "Timbu 3 a 1! Timbu 3 a 1! Timbu 3 a 1!". O apelido, inicialmente pejorativo, pegou. E aquele time de 1934 foi o responsável pelo primeiro dos 21 títulos estaduais.

São muitos os Náuticos marcados nas memórias de torcedores apaixonados e eternizados nas histórias passadas de geração a geração. Ninguém tem dúvidas de quem foi o primeiro ídolo: Fernando Carvalheira, o grande nome da época amadora do futebol alvirrubro. Amadora no bom sentido: só se jogava por amor à camisa. Fernando é, até hoje, o segundo maior artilheiro da história do clube, com 185 gols. Marcou época juntamente com o irmão Arthur e os primos Emídio e Zezé. Eles formavam "Os Carvalheiras".

Depois vieram Orlando Pingo de OuroIvson e Ivanildo. Orlando conquistou o Campeonato Sul-Americano de 1949 pela Seleção Brasileira. Ivson balançou as redes 118 vezes e é o quinto maior goleador do Alvirrubro da Rosa e Silva. Já o "Espingardinha", era polivalente. Foi lateral, meia, atacante, treinador e dirigente! Estava sempre a serviço do clube. Exemplo de dedicação e amor ao vermelho de luta e ao branco de paz.

Time do Hexa
Time do Hexa

Na década de 1960, seis títulos seguidos do Campeonato Pernambucano (1963-1968, o inesquecível Hexa!), diversas conquistas regionais (para quê chancela da CBF se realmente fomos campeões do Norte e do Norte-Nordeste no campo? É o que vale! Tudo o que vencemos foi dentro das quatro linhas), participações expressivas na Taça Brasil e um lugar entre os grandes da América. A época dourada se deve a nomes como Lula Monstrinho, Gena, Lala, Salomão, Ivan Brondi, Miruca, Nado e Bita. Ivan, o eterno Capitão do Hexa. Bita, o "Homem do Rifle", deu 224 tiros certeiros nas redes adversárias. Foi artilheiro duas vezes da Taça Brasil e fez quatro gols contra o poderoso Santos de Pelé, Coutinho, Zito, Pepe e Gilmar.

Bita e Pelé
Bita e Pelé

Não para por aí. Tem muito mais gente boa na fila... Marinho Chagas, o melhor lateral da Copa do Mundo de 1974. Allan Cole, o jamaicano amigo do astro Bob Marley. Jorge Mendonça, autor dos oito gols da goleada de 8 a 0 frente ao Santo Amaro, em 1974. Lima, autor do gol que evitou o hexa do arquirrival Santa Cruz, nos Aflitos, no mesmo ano. Neneca, o paredão invicto por 1.636 minutos seguidos. Mazzaropi, campeão mundial pelo Grêmio e campeão pernambucano pelo Náutico. Baiano, que iria ao Sport, acertou com o Timbu de "última hora" e em terras vermelhas e brancas se consagrou como um dos maiores artilheiros que o Brasil já viu. E, também, como o maior goleador da história do Campeonato Pernambucano. Foram 181 bolas na rede! Se o coração dos Aflitos (permita-me adaptar), pipoca dentro do peito, conforme diz Alceu Valença, o pulmão funcionava no brio de Lourival

O irreverente Jorginho, lateral-direito de 1988 a 1990. Bizu, artilheiro do Campeonato Pernambucano em 1989 e 1990, vice-artilheiro da Série A de 1989, artilheiro da Copa do Brasil de 1990... E sexto maior goleador do Timba, com 114 tentos. Nivaldo, o mais rápido da história do Brasil. Bastaram 8 segundos para abrir caminho para a vitória de 3 a 2 contra o Atlético Mineiro, nos Aflitos, em 1989. Nunca foi superado. Nem mesmo pelo velocista jamaicano Usain Bolt, que completou os 100 metros rasos em 9,58 segundosCafézinho, sinônimo de raça e classe nos Aflitos do "Balança mas não cai".

O século XXI nos reservou Kuki, Batata, Nilson, Jorge Henrique, Thiago Tubarão, Beto Acosta, Felipe, AraújoKieza... O mais emblemático é o Baixinho, jogador com mais partidas pelo Náutico (387) e o terceiro com mais gols (184). Artilheiro do Campeonato Pernambucano em 2001, 2003 e 2004 e da Copa do Nordeste de 2001. Eternizado com a camisa 11. Menções muito honrosas ao camisa 25 Acosta, vice-artilheiro da Série A de 2007, e ao camisa 9 Kieza, artilheiro da Série B de 2011.

Vários são os técnicos que marcaram época. O uruguaio Umberto Cabelli, nos anos 1930, revolucionou a maneira de ver e jogar futebol em terras pernambucanas. Introduziu uma mentalidade vencedora e um estilo de jogo forte na defesa e envolvente no ataque. A escolha não foi por acaso: o Uruguai vinha de três títulos relevantes consecutivos: as Olimpíadas de 1924 e 1928 e a Copa do Mundo de 1930. Joaquim Loureiro deu continuidade à filosofia de Cabelli e trouxe o primeiro título, em 1934. Palmeira comandou os esquadrões que rodaram a América do Sul e a Europa, transformando o Clube Náutico Capibaribe no primeiro escrete de Pernambuco a jogar fora do Brasil, e que foram campeões estaduais em 1950, 1951 e 1952. Gentil Cardoso foi o mais emblemático. Mais à frente explico. Duque foi o mentor do Hexa. Preciso dizer mais algo? Muricy Ramalho recuperou a autoestima do torcedor com o bicampeonato de 2001 e 2002 e se converteu alvirrubro de carteirinha. Também integram o hall de campeões Orlando Fantoni, Ênio Andrade, Luciano Veloso, Charles Muniz e Zé Teodoro.

Nem só de glórias vive um clube. As derrotas também fazem parte do jogo. Os Aflitos já chorou três quedas para a Série B e duas para a Série C. Contudo, a maior vergonha da história do Náutico certamente foi restringir o acesso às suas dependências a uma minoria privilegiada, à elite branca. A reviravolta veio na década de 1950, com as chegadas de José Rosalino Inácio, para ser porteiro do clube, e de Gentil Cardoso, para treinar o time de futebol. Conhecido nacional e mundialmente por revelar Garrincha para o Botafogo e por ter trazido Ademir de Menezes, do Vasco da Gama, para o Fluminense, o "Moço Preto" comandou o elenco campeão pernambucano de 1960. Nossa eterna gratidão a estes senhores por terem aberto o Timba às diversas classes sociais e terem transformado nosso clube num clube de todos. O futebol se tornara do povo, então o Náutico também tinha de sê-lo.

Não era apenas em Pernambuco que o Alvirrubro da Rosa e Silva encantava. No início dos anos 1950, o futebol do time de Palmeira deslumbrou a região Norte do Brasil e as Guianas. Deixava as pessoas de queixo caído. Com os olhos brilhando. Em Macapá, um amistoso com a seleção da cidade foi interrompido por um dilúvio. Era impossível retomar o jogo, àquela altura com a contagem de 2 a 1 em favor dos pernambucanos. Hora de voltar ao hotel e se preparar para a viagem a Belém. Pois, acreditem, os amapaenses imploraram que o restante da partida fosse realizado. Queriam ver o Timbu passear em campo. A solução encontrada foi jogar o segundo tempo às 7h30 da manhã do dia seguinte, mesmo que isso acarretasse o atraso do voo ao Pará, de onde a delegação seguiria para as Guianas. Talvez esta tenha sido o jogo que começou mais cedo na história do futebol. O placar final foi 4 a 1. Em 1972, durante uma turnê pela América Central, o time do técnico Nelson Lucena desembarcou no Haiti com uma moral maior do que o Mar do Caribe. Enquanto os jogadores eram escoltados pelo exército, um carro com alto-falante anunciava: "Atenção, povo do Haiti! Acaba de chegar a Seleção do Brasil, a primeira do mundo". Por um dia, o Náutico foi Brasil. Naquela época, a Canarinho tinha conquistado três das últimas quatro Copas do Mundo...! Os dois jogos em solo haitiano terminaram empatados em 1 a 1. Na segunda partida, tinha tanta gente, que os portões do estádio foram fechados e o presidente da Federação Haitiana de Futebol autorizou a transmissão pela televisão.

E hoje? Quase cinco meses depois de terminar a Série B na última colocação e ser rebaixado à Série C, o Náutico quebrará o recorde de público dos clubes locais na Arena de Pernambuco, devido aos mais de 42 mil ingressos vendidos para a final do Estadual, diante do Central de Caruaru. Já detém o maior público de clubes no Estádio do Arruda, em uma derrota de 2 a 0 para o Sport, no Campeonato Pernambucano de 1998: 80.203. Ou seja, esta pode não ser a maior torcida do Estado, mas jamais deve ser subestimada. O título doméstico de 2018 é o presente mais desejado pela massa vermelha e branca. Não haveria melhor maneira de comemorar os 117 anos do time do coração. Ao mesmo tempo, a nação já pensa no retorno à boa e velha casa, o Estádio Eládio de Barros Carvalho. Sair de lá e assinar um contrato de 33 anos com a Arena foi um grande erro. Mas, como todos os seres humanos os quais se prezem, o Clube Náutico Capibaribe está trabalhando e vem consertando a falha. Já foram arrecadados mais de R$ 400 mil, doados por torcedores, para as reformas do velho Eládio. A praça esportiva completou 100 anos em 2017 e voltará aos braços da sua gente em 2018. Parabéns, Timba. Nos altos e baixos, nesta montanha-russa de emoções, estamos juntos. Até o fim.

Fontes:

Livros

> Náutico - A bola e as lembranças, de Lucídio José de Oliveira
> Reis do futebol em Pernambuco: técnicos, de Carlos Celso Cordeiro, Lucídio José de Oliveira e Roberto Vieira
> Adeus, Aflitos!, de Carlos Celso Cordeiro, Lucídio José de Oliveira e Roberto Vieira (participação de Carlos Henrique Meneses)

Crônica

> A excursão do Náutico à América Central foi narrada por Paulo Moraes para o periódico A Edição de Esportes, do grupo Estadão, que circulava aos domingos