Atualmente treinadora de futebol para crianças e adolescentes na Califórnia, Sissi do Amor Lima conversou em entrevista exclusiva com a VAVEL Brasil. Ex-jogadora da Seleção Brasileira e tida por muitos e muitas como a "primeira grande craque do futebol feminino nacional", Sissi atualmente tem a semana cheia, treina diariamente turmas de meninas entre 10 a 14 anos. As partidas acontecem nos finais de semana. A entrevista foi em uma Pizzaria em Walnut Creek, cidade em que ela vive há mais de 10 anos.

Onde tudo começou?

Sissi nasceu em Esplanada, Bahia, e aos seis anos de idade já estava jogando bola com seu irmão mais velho, Paulo e seu pai. Quando Sissi não conseguia encontrar uma bola de futebol para chutar, começou a usar a cabeça de suas bonecas, o que fez sua mãe se preocupar.

Na época, o futebol era um jogo de homens e destinado a homens e proibido perante a lei para mulheres. Mesmo com as preocupações de sua mãe, Sissi encontrou apoio de seu pai, que lhe disse para seguir seus sonhos enquanto terminasse a escola. Aos 14 anos, ela jogou as primeiras partidas profissionais, atuando em várias equipes femininas. 

Seleção Brasileira

Sissi foi escolhida para jogar na Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1999, foi a capitã da equipe que terminou a competição em terceiro lugar. Nessa copa, ela fez o gol de ouro da competição e conquistou a chuteira de ouro como artilheira do torneio. É a única brasileira a integrar o Fifa Legends. No Brasil, contudo, ela ainda não tem reconhecimento à altura de seus feitos.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução/Acervo CBF

Califórnia

Quando chegou na Califórnia, em 2001, a ex-jogadora não falava uma palavra em Inglês, e ela diz que durante os primeiros meses sentia muita falta da família e que pensou em desistir e voltar para o Brasil. Passou por três clubes até se tornar treinadora. Em 2009 com a camisa do Gold Pride, ela se aposentou e começou a se dedicar à carreira de treinadora. Atualmente, Sissi trabalha com equipes de base do clube Walnut Creek (Walnut Creek Surf) e da faculdade Solano College, na Califórnia.

Foto: Marina Leite/VAVEL Brasil
Foto: Marina Leite/VAVEL Brasil

Homenagem

No começo do mês de novembro, Sissi esteve no México para receber uma homenagem. Ao comentar do evento, ela se emocionou pois disse que não esperava o tamanho da surpresa ao chegar na cidade de Pachuca. “El Salón de la Fama del Futbol’’, o museu recebeu ex-atletas para deixarem suas marcas. A ex-camisa 10 da Seleção foi a única brasileira a receber a premiação. A equipe que Sissi trabalha fez um post no Instagram parabenizando-a. 

 

Um dos grandes nomes e precursora do futebol feminino canarinho, Sissi falou em entrevista sobre as diferenças do futebol feminino no Brasil e nos Estados Unidos. Também analisou a valorização das crianças e adolescentes sobre a atual Seleção Brasileira.

VAVEL: Sissi, quais são os três maiores problemas que o futebol feminino do Brasil passa?

Sissi: “Três? risos. Será difícil, pois são tantos.Primeiramente, investir nas categorias de base, futebol deve ser praticado nas escolas. Tornar o futebol feminino profissional. Ter um calendário fixo, várias competições e certeiros. E não adianta os clubes ter times (como estão tendo atualmente) e não darem estrutura necessária. Se precisarem que o futebol seja o emprego do atleta, carreira. Tem que ser. Os clubes tem que investir nessa estrutura física e financeira. Aqui (EUA), temos vários programas e é por isso que a Seleção Estado Unidense está sempre renovando”

VAVEL: as meninas que você treina têm em média 13 anos, nessa idade  como você lembra de jogar futebol no Brasil? Especificamente na Bahia, onde você nasceu.

Sissi: “Eu não tinha nada. Não existia futebol para meninas. Eu comecei no profissional e fui pra Seleção. Não tive privilégios de jogar em Sub-15 e Sub-17. Não tive privilégios de treinar, melhorar técnica...sai diretamente do Bahia e fui pra Seleção.”

VAVEL: hoje, você consegue ver diferenças por ser uma treinadora?

Sissi: “Sim, é nítido. Mesmo aqui em alguns jogos, percebo que o treinador do outro time não quer ganhar do meu time. Ele quer ganhar de mim, por ser mulher, por ter tido uma carreira profissional. É claro que para ele, ganhar é bom mas ganhar de mim será ainda mais prazeroso. Já me vi em algumas situações bem chatas, eles ainda acham que a gente não é capaz.”

Foto: Marina Silva/VAVEL Brasil
Foto: Marina Leite/VAVEL Brasil

VAVEL: você viu alguma mudança em relação a visibilidade do futebol feminino na Copa do Mundo da França, em especial no Brasil?

Sissi: "No Brasil, mudou durante a época da Copa. Aqui nos Estados Unidos não, sempre foi visível. Mas no Brasil foi assim, todo mundo mostrando, as grandes mídias empolgadas. Mas passou."

VAVEL: como é sua opinião sobre a atuação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2019?

Sissi: "Eu como brasileira, durante a Copa do Mundo, me mantive otimista. Não há comparação com o Brasil, tecnicamente. Mas não é só talento que ganha um título. O título tem que ser em equipe, e eu vejo que na minha geração, a briga era pelo grupo, jogávamos em time. Hoje vejo mais individualidades, tanto jogadoras quanto comissão técnica."

VAVEL: falando em talento, qual é o jogador que você admira?

Sissi: "Dani Alves. Toda equipe que ele joga ele não esquece de onde ele veio, joga por amor. Ele não muda. Ele é ele em qualquer time. Tenho uma grande admiração por ele. Ele honra a camisa que está vestindo."

"Se um treinador perder nove vezes em uma Seleção Masculina eu duvido que ele continue no comando."

VAVEL: atualmente, você assiste a jogos no Brasil?

Sissi: "Eu assistia mais quando a Emily era a treinadora. Eu gostava de como ela levava a equipe. Infelizmente, era perceptível que o plano que ela tinha para a Seleção parecia ser um plano a longo prazo, o que para a diretoria não era suficiente. Era ganhar ou perder. E com as derrotas ela acabou saindo. E quando Vadão assumiu não foi diferente. Nove derrotas e ainda assim levaram ele para a Copa do Mundo. Se um treinador perder nove vezes em uma Seleção Masculina, eu duvido que ele continue no comando."

VAVEL: sobre a Pia Sundhage, o que você acha que ela tem que pode trazer de diferente para a Seleção? 

Sissi: "Experiência. Jogou a nível mundial, tem uma grande bagagem. Mas... o que adianta colocar uma pessoa igual ela, se não tem um time para trabalhar com ela. Quando anunciaram a Pia, eu pensei 'espero que deem a ela carta branca e liberdade para ela fazer o que quiser dentro da equipe.'"

VAVEL: para finalizar, o que você falaria para uma adolescente com desejo de seguir a carreira de jogadora de futebol?

Sissi: "Não desista. 'Persistência' é a palavra que me define. E eu acho que é para todas que querem seguir esse sonho. Não é fácil, mas tem que persistir."

VAVEL Logo
Sobre o autor