Sempre é bom relembrar a trajetória de um craque. Gols marcantes, passagens de sucesso ou de fracasso, fase áurea, retorno, fim da carreira e o pós-profissão, todos esses períodos, passados com sucesso, constroem uma figura idolatrada pelas torcidas. Por isso, a VAVEL Brasil traz de volta à tona alguns grandes jogadores que pisaram os gramados do país do futebol. Agora, é o momento de um gênio muito conhecido por suas pernas tortas.

Para falarmos do início da história de Manuel dos Santos, que mais tarde viria a se tornar Garrincha, antes precisamos falar sobre origem de sua família.

A origem do craque

Os bisavós de Garrincha eram indígenas e faziam parte da tribo Fulniô, que se situava na comunidade de Águas Belas, em Pernambuco. Logo mais, com a chegada de colonizadores, a diáspora Fulniô espalhou descendentes por todo o Brasil, e os parentes do craque formaram uma aldeia em Alagoas, chamada Quebrângulo — que hoje é uma cidade.

A mudança para o sudeste ocorreu com o pai de Garrincha, mas muito por influência do tio do craque, o filho mais inteligente da geração, que se mudou para o Rio de Janeiro com o objetivo de trabalhar na capital do estado, como cozinheiro em um hospital, mas acabou sendo demitido quando seu chefe soube que o mesmo estava tendo um caso com sua filha. A partir daí, mudou-se para a cidade de Pau Grande, para trabalhar numa fábrica de tecidos, e acabou influenciado os pais de Garrincha a irem também.

Infância em Pau Grande e o apelido Garrincha

A infância de Garrincha em Pau Grande era baseada em praticamente três coisas: caçar passarinhos, jogar futebol e ingerir álcool. Todos diziam que Garrincha tinha um talento absurdo para fazer as três coisas, e o motivo disso pode ser explicado por conta de sua origem. O álcool esteve presente na vida de Garrincha desde os seus primeiros meses de idade, quando seu pai, alcoólatra, colocava cachaça em sua mamadeira para já ir acostumando-o a beber.

Quando criança, gostava de caçar passarinhos e assim como seus antepassados fulniôs, tinha uma mira impecável para atirar pedras com as mãos. A ave que era sua vítima preferida se chamava Garrincha, e certa vez, após reparar isso, seu irmão mais velho colocou nele o apelido que levava o nome da ave: Garrincha.

Seu primeiro clube: Sport Club Pau Grande

Naquela época, toda a economia da cidade de Pau Grande girava em torno do funcionamento da América Fabril, a fábrica de tecidos que o pai de Garrincha e mais da metade da população trabalhava.  Ao completar 14 anos, Garrincha foi registrado como funcionário da fábrica, mas nunca foi um trabalhador exemplar, o único motivo que ainda o mantinha empregado era o fato de que ele era o principal jogador do time dos funcionários, o Sport Club Pau Grande.

A América Fabril era gerida por ingleses que adoravam futebol, por isso, criaram um time para disputar torneios pela região. Além de Garrincha, o time também tinha outros bons jogadores, mas nada que se comparasse ao menino das pernas tortas, que foi responsável por levar o Pau Grande a vencer quase todos os torneios que disputava. Mas vencer não era o mais importante para Garrincha, nem fazer gols. O mais importante era driblar, ficar dando voltas no campo a ponto de passar pelo goleiro e sem entrar com a bola para dentro da meta, voltar para sua defesa só para driblar todos os adversários novamente.

Preconceito e peneiras

Foto: Domínio Público

Garrincha não via o futebol como trabalho, via apenas como forma de diversão, nem gostava de ouvir pelo rádio, para se ter uma ideia, quando todos na cidade estavam chorando na rua após o Brasil perder a Copa do Mundo de 1950, ele estava pescando. Dizia que futebol era besteira e só servia para jogar. Torcia vagamente para o Clube de Regatas do Flamengo, mas só porque quando tinha seis anos ouvira falar que o Flamengo tinha sido campeão carioca.

Quando o SC Pau Grande começou a ganhar fama, consequentemente, Garrincha também chegou aos ouvidos de alguns clubes, principalmente do Serrano, uma equipe de Petrópolis, que foi o primeiro clube a pagar um salário a ele.

Antes do Botafogo de Futebol e Regatas, tentou fazer peneiras em outras equipes, mas não conseguiu passar em nenhuma delas, não por falta de futebol.  No Club de Regatas Vasco da Gama, primeiro clube que tentou, nem chegou a treinar porque foi barrado por não ter chuteiras, e o treinador da época o chamou de “aleijado”, devido as suas pernas tortas.  No São Cristóvão, jogou apenas 10 minutos e nem tocaram a bola para ele.  No Fluminense Football Club, o deixaram esperando por mais de oito horas para jogar e ele nem teve a oportunidade de entrar em campo.

Chegada ao Botafogo

Após ser rejeitado nos clubes que fez peneira, Garrincha estava desacreditado e não queria mais saber de tentar outra vez, mas um dia, Araty, lateral do Botafogo e da Seleção Brasileira, o viu jogar uma partida em Pau Grande e ficou deslumbrado, quando voltou ao Rio, conversou com Eurico Salgado, figura importante dentro do clube, que foi responsável por levar Garrincha a treinar no Alvinegro.

Antes de treinar com a equipe profissional, Garrincha fez testes com o time de juniores do Botafogo, quando arrebentou e logo viram que ele realmente era diferenciado. No dia seguinte, treinou com o elenco profissional e o colocaram para jogar em cima do maior lateral esquerdo do mundo na época, Nilton Santos. Nenhum jogador tentava dribles em cima de Nilton, todos recuavam a jogada porque já sabiam que não conseguiriam passar por sua marcação, mas com Garrincha foi diferente, o “Aleijado”, como foi chamado no Vasco, partiu para cima do melhor lateral do mundo e ganhou diversas jogadas. Logo após isso, a diretoria e o próprio Nilton Santos viram que era quase uma obrigação do Botafogo contratar Garrincha.

Começo no Bota e parceria com Pelé

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Garrincha estreou pelo Botafogo em 1953. Nos primeiros anos, o clube não vinha tendo muito êxito, mas alguns anos depois, começou a alavancar uma sequência de títulos importantes. O Botafogo conquistou o Campeonato Carioca de 1957 com muita folga, com Garrincha sendo eleito o melhor jogador e ganhando muita visibilidade, o que lhe rendeu uma convocação para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958.

Na Copa de 58, Garrincha começou como reserva, assim como Pelé. Os dois só entraram em campo como titulares no terceiro jogo, no qual foram os melhores em campo e se consolidaram como titulares para o resto da Copa. Garrincha não marcou gols naquela competição, mas participou de vários e foi o maior ajudante de Pelé. Juntos, a Seleção Brasileira venceu 36 jogos, empatou quatro e nunca perdeu, ou seja, um aproveitamento de 90%, algo que nenhuma dupla de atacantes na história do futebol conseguiu alcançar.

O auge: Elza Soares e a Copa de 1962

Elza e Garrincha (Foto: Reprodução)
Elza e Garrincha (Foto: Reprodução)

Meses antes da Copa de 62, Garrincha conheceu o grande amor de sua vida: Elza Soares. Na época, a imprensa tratava a relação dos dois como um adultério, visto que Garrincha era casado com a mãe de seus filhos, Nair, mas acabou se apaixonando por Elza, que foi uma das maiores motivações para Garrincha jogar o máximo de seu futebol naquele Mundial, já que queria impressioná-la de qualquer forma.

O auge da carreira de Garrincha aconteceu naquele ano, naquela Copa. Após ter vencido a última edição do torneio, a Seleção Brasileira vinha como favorita para conquistar o bicampeonato. Com Pelé e Garrincha jogando muita bola, o Brasil vinha vencendo amistosos e indo muito bem na fase de preparação.

Para desespero da comissão técnica e da torcida, Pelé se machucou logo nos primeiros jogos e foi cortado do resto da competição, a partir daí, Amarildo entrou em seu lugar. A torcida havia de depositar toda esperança em Garrincha, que tinha de jogar por si, pelo Brasil, pelo Pelé e por sua maior motivação, o coração de Elza Soares.

Jogando sem Pelé e com Garrincha liderando a equipe para as vitórias, o Brasil terminou a copa invicto, vencendo cinco dos seis jogos disputados e com Garrincha jogando muita bola em todos eles. Na competição, Garrincha foi artilheiro e eleito o melhor jogador do torneio, o que faz com que muitos pensem que foi o melhor desempenho de um jogador na história de todas as Copas do Mundo.

Pós-Copa e  início do pesadelo

Após viver o melhor momento de sua carreira na Copa de 62, Garrincha começou a viver dias muito complicados. Depois do torneio, voltou ao Botafogo e conquistou o Campeonato Carioca e o Rio-São Paulo, mas depois disso teve sérios problemas no joelho, que fizeram com que ele nunca mais conseguisse obter o mesmo desempenho. 

Com a lesão no joelho e seu futebol decaindo cada vez mais, o vício com o álcool aumentava e a quantidade de partidas que Mané jogava pelo Botafogo era cada vez menor. O atleta teve que fazer uma cirurgia que o clube se recusou a pagar, e quem arcou com os custos foi Elza Soares, que pagava literalmente todas as contas dele, sendo realmente uma grande companheira na relação.

Após a cirurgia, Mané voltou a jogar e ajudou o Botafogo a conquistar títulos em excursões que eram importantes na época, como o Torneio Internacional de Paris, mas mesmo assim, a diretoria não estava mais satisfeita com ele, e resolveu negociá-lo com o Sport Club Corinthians Paulista, marcando então, em 1965, o fim da era de Mané Garrincha no Botafogo, que contou com 614 jogos disputados, 245 gols e 18 títulos.

Final frustrante

Foto: Domínio Público

Após sair do Botafogo, Garrincha chegou ao Corinthians com muita expectativa, visto que o jogador era um ídolo nacional e o Corinthians vinha montando uma equipe muito forte para a temporada. O Timão sabia dos riscos que corria ao contratá-lo devido ao problema no joelho, mas mesmo assim preferiu arriscar, e acabou não dando certo. Pelo Corinthians, Garrincha jogou apenas 13 partidas e marcou só dois gols.

Após sair do clube paulista, Mané teve uma pequena passagem pelo Flamengo, porém mais uma vez, sem sucesso, jogando apenas 15 jogos e marcando somente quatro gols.

Depois de tentar recomeçar nesses grandes clubes, se transferiu para o Olaria, onde também não conseguiu render, e decidiu então, em 1972, encerrar sua carreira.

Último gole

Depois que parou de jogar, Garrincha continuou vivendo casado com Elza Soares, que por muito tempo tentou fazer com que Garrincha largasse o vício do álcool, e chegou a largar por um tempo, mas quando o filho do casal nasceu, Mané voltou a beber e desde então, nunca mais conseguiu parar. Elza e Garrincha se separaram em 1982, devido ao fato de que a relação estava desgastada por traições, humilhações e agressões de Garrincha que eram resultado do álcool.

A separação foi mais um motivo de tristeza para a vida do craque, que há alguns anos indo de mal a pior, então, afundando-se cada vez mais na bebida, sem Elza, sem futebol, sem dinheiro, ele se via cada vez mais desolado, e veio a falecer de cirrose um ano depois da separação, em 1983, com apenas 49 anos de idade.

Títulos importantes

Botafogo

  • Torneio Internacional de Paris: 1963
  • Torneio Quadrangular Interestadual: 1954
  • Torneio Pentagonal do México : 1958
  • Torneio Internacional da Colômbia: 1960
  • Torneio Internacional da Costa Rica: 1961
  • Torneio Pentagonal do México: 1962
  • Torneio Rio-São Paulo: 1962 e 1964
  • Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo: 1961
  • Campeonato Carioca: 1957, 1961 e 1962

Corinthians

  • Torneio Rio-São Paulo: 1966
  • Copa Cidade de Turim: 1966

Seleção Brasileira

  • Copa do Mundo: 1958 e 1962
  • Taça Bernardo O’Higgins: 1955, 1959 e 1961
  • Taça Oswaldo Cruz: 1958, 1961 e 1962
  • Superclássico das Américas: 1960