Não faz muito tempo, em 2012, a Fórmula 1 bateu um recorde histórico. Pela primeira vez na história, seis pilotos já campeões mundiais correram em um mesmo ano. Com Lewis Hamilton e Jenson Button na McLaren, Sebastian Vettel na Red Bull, Fernando Alonso na Ferrari, Kimi Räikkönen na Lotus e Michael Schumacher na Mercedes, foi um ano de graça para a categoria.

Três anos depois de uma das maiores temporadas da história recente da F1, dos seis, apenas Michael Schumacher - que se recupere logo! - não corre mais (aposentou-se justamente no fim daquele ano). As corridas recentes, especialmente da atual temporada, não apresentam mais a mesma emoção, especialmente com o domínio absoluto e modorrento da Mercedes. Porém, uma coisa é inegável: a safra atual de pilotos é muito boa.

Mas outra coisa também é inegável. Claro que esse comportamento não é unânime entre todos os fãs da Fórmula 1, mas a geração atual é bastante criticada em muitos aspectos. Para vários aficionados, os atletas de hoje são fracos, correm bem por causa do carro, recebem todos os mimos possíveis da equipe e jamais conseguiriam sequer engatar uma marcha em um carro de Fórmula 1 dos anos 70 ou 80, por exemplo. Basta aparecer um período de dominância, como os quatro títulos de Sebastian Vettel entre 2010 e 2013, ou o tri de Lewis Hamilton atualmente, que aparecem comentários como "ganharam porque tinham carros top", "passariam sufoco com Senna, Prost, Piquet ou Mansell", entre vários outros. Até o já citado Schumacher, maior campeão da história da F1, sofre com essas críticas.

Em todas as áreas da nossa sociedade, a tecnologia está extremamente presente. Sem ela, invenções que revolucionaram o mundo não existiriam, muitas doenças não seriam curadas, e muito possivelmente ninguém estaria lendo este texto. E nos esportes, como a Fórmula 1, isso não é diferente. Sem os aparatos que são instalados nos carros todos os anos, a categoria se tornaria defasada, sem muito a se desenvolver. Isso traria um investimento menor, queda de interesse de montadoras, e menos caixa para a F1. E isso é o que menos querem os mandatários da categoria.

Além disso, vale destacar que os carros se adaptam à tecnologia existente na época. Claro que a tecnologia de outras décadas não é a mesma de hoje, mas para o período em questão, era a tecnologia máxima, de ponta. Vale lembrar que em épocas veneradas por boa parte do público, foram criadas tecnologias usada até hoje. Em 1989, a Ferrari introduziu o câmbio semiautomático (das famosas “borboletas”, em vez da alavanca manual), e em 1992, a Williams revolucionou a F1 com a suspensão ativa. Tanto é que, em 1994, o grande déficit da equipe inglesa na temporada foi o banimento dos artefatos eletrônicos pela FIA.

Essa época também tinha tecnologia altíssima. Para a época, era considerada de ponta (Foto: Getty Images)

Um ponto bastante tocado e extremamente vital na discussão é a dificuldade dos carros de hoje. Questionado sobre isso em 2014, Felipe Massa foi direto: “Ok, você tinha muito menos engenheiros no passado e você tinha que saber muito sobre a parte mecânica, mas era praticamente mecânica, não tinha nenhuma aerodinâmica. Agora você tem tantas outras coisas, como toda a parte eletrônica e todo o trabalho que temos enquanto dirigimos. Naquela época, você tinha o volante, acelerador, freio e embreagem, mas hoje em dia nós mudamos as coisas enquanto estamos contornando as curvas. É outro mundo, outro esporte”.

Querendo ou não, Massa está certo. Claro que os pilotos de outras épocas tinham um maior conhecimento da parte mecânica, mas hoje em dia a F1 é totalmente diferente. Com a quantidade de engenheiros e tecnologia envolvida nas equipes, são vários especialistas encarregados em cada área, e para o piloto, sobra “apenas” a parte da pista. Além disso, lidar com toda uma parafernália eletrônica não é nada simples.

Uma das histórias mais conhecidas sobre o tema aconteceu em janeiro de 2002. Na ocasião, Niki Lauda, diretor da Jaguar (hoje Red Bull), fez um teste com um dos carros da equipe. No ano anterior, o tricampeão do mundo disse que “até macacos poderiam dirigir um carro da F1 atual”. Ledo engano. Em três voltas com o bólido verde, rodou duas vezes.

Porém, a tecnologia não é o único motivo para esse fenômeno com os pilotos atuais.

Niki Lauda tentou provar sua teoria em 2002. Deu muito errado (Foto: Getty Images)

Na sociedade como um todo, existe uma veneração enorme pelo passado. Para muitas pessoas, as pessoas de hoje nunca serão tão boas como as dos anos 70 ou 80, o Neymar nunca vai ser melhor que o Ronaldo ou o Rivaldo, o Lewis Hamilton nunca vai ser melhor que o Nigel Mansell ou o Mika Häkkinen, entre tantos outros exemplos. É claro que, para chegar em determinados patamares, é extremamente difícil, e isso exige feitos marcantes, mas não é impossível. E qual o problema de pilotos novos chegarem e conquistarem recordes até então de pilotos de épocas mais antigas? Nenhum.

Ademais, hoje em dia, os pilotos se tornaram “robóticos”. Não existem mais provocações, declarações ácidas, boa parte disso acabou. Os atletas muitas vezes se limitam a fazer e falar o básico, sobre as condições do carro e de pista, acertos, e só. Evitam entrar em questões polêmicas, que forcem declarações mais chamativas. Eu não gosto, você não gosta, ninguém gosta, isso é fato. Porém, nada é feito sem motivo. Nem sempre eles fazem isso simplesmente porque são "fracos" ou porque "não tem coragem". Existem razões para isso. Em especial, duas.

1) Como dito anteriormente, vivemos em uma era de explosão tecnológica. Com a internet, as informações se espalham cada vez mais rápido, provocando especulações, boatos e opiniões de todos os tipos. Diante disso, o piloto sabe que qualquer relato que der um pouco diferente do normal, é usado para 1001 críticas e rumores. E muitos deles preferem evitar esse tipo de polêmica para si.

2) Vivemos em uma época do politicamente correto. Qualquer declaração, seja ela mais conservadora ou ácida, pode servir como motivo para represálias e punições. Em 2014, por exemplo, Sebastian Vettel disse que “o ruído produzido pelos novos motores V6 é uma m****”. Como resultado, foi advertido pela FIA e criticado por milhares de fãs, especialmente os mais fanáticos pelos rivais, que alegavam a falta de resultados expressivos do alemão no ano em questão como motivo para aquela resposta. Tudo bem, talvez ele não tenha usado a linguagem adequada, mas o que Vettel fez foi simplesmente expressar a opinião de milhões de fãs da F1.

Por motivos como esses, pilotos como Kimi Räikkönen ou Max Verstappen, que comumente dão declarações mais chamativas, têm e ganham cada vez mais fãs. E ainda assim, muita gente não gosta quando um piloto como eles contesta demais, ou tem algum estilo diferente, mais ousado. Várias vezes é chamado de "mal educado", "chorão", "que não ganha na pista e só reclama fora dela", entre outras denominações.

Tá vendo esse Lewis Hamilton? Muita gente odeia (Foto: Getty Images)

Infelizmente, muitas dessas coisas existem e acabam denegrindo a imagem dos pilotos atuais, o que consequentemente, acaba sendo revertido em comentários sobre o desempenho da pista (quando um piloto tem problemas e culpa o carro atual, muitos fãs disparam contra ele, graças à “facilidade” dos bólidos de hoje). O que é um problema.

Temos uma ótima geração diante de nós. Além dos cinco campeões mundiais, outros vários pilotos, sejam experientes ou mais jovens, que tem totais condições de brigar por um título em um futuro cada vez mais próximo. Nico Rosberg, Valtteri Bottas, Daniil Kvyat, Nico Hülkenberg, Max Verstappen, Daniel Ricciardo, e vários outros que estão na F1 ou que vêm subindo das categorias de base, que tem toda a capacidade possível para sonharem com um campeonato mundial.

E do que esses pilotos precisam? Mostrar seu talento nas pistas, e ignorar as críticas. Fará muito bem a todos parar de apontar problemas e aproveitar que, apesar das corridas relativamente mornas, temos uma grande geração de pilotos para apreciar.

A Fórmula 1 muda o tempo todo. E devemos estar cientes e nos adaptarmos a novas eras.

Mostrando qualidade e ignorando os críticos, muitos deles podem brigar por títulos (Foto: Getty Images)