Na passada Quinta-feira, o Benfica escreveu um encantador capítulo da sua história europeia, vencendo de modo categórico a milionária equipa do Tottenham em pleno estádio White Hart Lane, por 1-3. Um golo de Rodrigo e dois do capitão Luisão fizeram os benfiquistas rejubilarem, mas, na área técnica, a polémica atingiu níveis impensáveis:Jorge Jesus provocou deliberadamente Tim Sherwood, treinador dos «spurs», acenando com três dedos em riste num tom revolvedor. O adversário, indignado, interpelou o técnico encarnado e desenvolveu-se um bate-boca que resultou numa das mais vergonhosas cenas que a linhagem histórica do Benfica viu: um empurrão ostensivo e agressivo a Shéu Han, acompanhado de um tom vociferador de óbvio desrespeito para com uma lenda viva do clube encarnado. Como se não bastasse, Jesus ainda bradiu contra o director Rui Costa, numa cena que materializou o poder aparentemente ilimitado que o treinador possui em relação aos seus superiores e também às regras da instituição onde labora. A pergunta impõe-se: quem tem mão em Jorge Jesus?

Tratar glórias como se de «peanuts» se tratassem

A forma humilhante e embaraçosa com que Jesus tratou Shéu Han só poderá envergonhar porfundamente qualquer adepto benfiquista. É bom lembrar que o mítico Shéu Han não é um simples funcionário (e mesmo que fosse merecia todo o respeito) do clube, é sim uma glória viva que está umbilicalmente ligado à mística do Benfica, servindo o clube das «águias» há já 44 anos! A forma como Jorge Jesus lidou com os seus conselhos (sobre o comportamento infantil do treinador) demonstrou o total desrespeito para com um homem que devotou a vida ao clube - a reacção de Cardozo a partir do banco de suplentes retratou na perfeição o espanto e o agastamento causado pela atitude desprezível de Jesus. O que diz este tipo de comportamento sobre os valores e princípios fundamentais do treinador do Benfica? Achará o técnico que está acima da centenária instituição que o acolheu (pacientemente...) durante cinco anos, período em que apenas venceu uma liga nacional? Depois da actuação pública reservada para Shéu Han, a fúria de Jesus encaminhou-se para Rui Costa, que interveio igualmente, na tentativa de amenizar o comportamento do treinador. 

Um historial com falta de classe

Este acontecimento não é facto isolado: o historial do treinador benfiquista reporta, ao longo dos anos, vários episódios embaraçosos que em nada enchem de orgulho o brio do clube encarnado - apenas o fazem corar de vergonha. O aceno irónico e provocador feito a Manuel Machado, técnico dos alvinegros do Nacional da Madeira, é exemplo do «modus operandi» de Jorge Jesus: quatro dedos em riste na sequência do golo de Saviola, o quarto da partida de então. O gesto valeu a dura crítica de Machado: «Um cretino será sempre um cretino», categorizou o treinador dos madeirenses, no ano de 2009. Os duelos com o Nacional voltaram a ser palco da indisciplina de Jesus: em 2011, o treinador envolveu-se em distúrbios e agressões com um jogador adversário, Luis Alberto - o técnico foi punido com 11 dias de suspensão.

No entanto, a actualidade tem sido a mais pródiga em eventos embaraçosos nos quais Jorge Jesus tem papel de charneira: em Maio de 2013, depois do atemorizante final de época encarnado, Cardozo dirigiu-se ao técnico, visivelmente agastado, empurrando-o e ameaçando-o de modo inequívoco. Mais tarde, na deslocação do Benfica a Guimarães, no dia 22 de Setembro, Jorge Jesus envolveu-se em confrontos físicos com as autoridades policiais, interferindo com uma acção de prevenção que pretendia retirar de campo adeptos que invadiam o relvado vimaranense. A acção extemporânea e descontrolada de Jesus valeu-lhe uma suspensão de 30 dias e vários milhares de euros de sanção pecuniária.

Raúl José é habitual saco de pancada

Quem acompanha com atenção o comportamento do técnico encarnado sabe que, vezes sem conta, quem sofre na pele as frustrações do treinador das «águias» é precisamente o seu adjunto de confiança, Raúl José. O auxiliar de Jorge Jesus contrasta com o seu comandante por ter um carácter calmo e racional, que muitas vezes mitiga e ameniza a explosiva e volátil conduta de Jesus. Apesar da calma incutida por Raúl José no seu timoneiro técnico, as sobras que lhe estão reservados são: gestos furiosos, empurrões e gritos avulsos. Não raras vezes Raúl José acaba enxotado, remetendo-se à insignificância que Jorge Jesus lhe confere.

Quem controla Jesus?

A passividade directiva da estrutura encarnada parece ser ponto assente ao longo dos anos de reinado de Jorge Jesus. O treinador das «águias» parece gozar de uma infinita liberdade comportamental que não tem merecido censura clara por parte da Luis Filipe Vieira. Pelo contrário, o treinador tem até beneficiado da complacência e do beneplácito do presidente do Benfica, que chegou, sub-repticiamente, a desresponsabilizar Jesus pela atitude perante as forças policias, no desacato de Guimarães. A falta de classe demonstrada na hora da vitória, também não parece ter merecido reparos, já que o treinador insiste nesse indigno comportamento, vazio de «fair-play» e de desportivismo. Aparentemente, nem o director desportivo nem as altas figuras históricas do clube conseguem colocar Jesus no seu devido lugar: o de funcionário, treinador, assalariado de um clube com mais de 100 anos de História, que está obrigado a respeitar a hierarquia e o prestígio da instituição.

Se a provocação a Tim Sherwood é uma triste exibição saloia de quem não sabe vencer com elevação, a desconsideração total demonstrada para com Shéu Han é um assalto à dignidade do clube. É uma cuspidela na História do Benfica, um acto de desprezo de quem parece não ter percebido a real grandeza de um símbolo nacional e internacional que não se limita a viver de vitórias dentro das quatro linhas. O Benfica é um clube maior que o relvado que pisa, maior que os treinadores e jogadores que emprega, maior que os três pontos e maior que os troféus que vence: o Benfica é uma história feita de História, de princípios democráticos fundadores, de respeito mútuo, de elevação na glória e de um universo de adeptos que se espalham pelo mundo, na esperança de sorrirem nos triunfos, de bem para com a sua alma benfiquista..um verdadeiro benfiquista terá sido incapaz de sorrir mesmo tendo domado categoricamente o Tottenham em White Hart Lane.