O Real Madrid não foi capaz de, perante os seus adeptos, dar troco à vitória transalpina da primeira mão das meias-finais, acabando por obter um empate frívolo e inócuo que beneficiou as pretensões da Juventus. Após o apito final e a compreensão, por parte dos adeptos e da imprensa geral, de que os galácticos não eram invencíveis, logo emergiu o ror de críticas ao treinador, aos jogadores e ao falhanço que se adivinha: 2014/2015 poderá terminar sem títulos para as bandas do Bernabéu.

De facto, a época poderá ser de jejum de títulos, com Barcelona, Atlético Madrid e Juventus a serem os directos responsáveis pelo vazio desportivo que poderá pautar a temporada do Real Madrid. Mas, será que o projecto actual do clube deverá ser riscado e refeito? Deverá Florentino Pérez refefinir o modelo técnico, despedindo Carlo Ancelotti, como muitos adeptos «blancos» exigem? Em última análise: será justo e benéfico destruir o paradigma desportivo da «La Décima» após estes desaires?

A pergunta impõe-se porque, se nos lembrarmos (e foi apenas há um ano), Carlo Ancelotti foi o condutor da orquestra que cantou vitória na final de Lisboa, cidade onde o Real Madrid festejou a tão desejada e sonhada «La Décima», com golos do agora ostracizado Gareth Bale, de Marcelo, de Cristiano Ronaldo e de Sergio Ramos. Pelos últimos dias de Maio, Ancelotti viera quebrar com a retórica táctica pouco eloquente de um Mourinho pouco dado a exibições galácticas - assim versava a crítica, elogiando o italiano.

Palmarés de Ancelotti

O triunfo apoteótico da «La Décima» obnubilou a perda do campeonato para o rival Atlético, contagiando as massas internacionais e centrando as análises do percurso vencedor do Real Madrid logo na primeira época de Ancelotti. A goleada ao poderoso Bayern de Guardiola? Magistral, assassinato do «tiki-taka» hispano-alemão; a final de nervos? Uma prova do carácter combativo dos «blancos»; Cristiano Ronaldo, goleador inquebrantável, liderava, com luminosa aura, a armada do sucesso. E agora?

Agora, um ano depois, e dada a machadada italiana nas aspirações europeias do Real, os rumores de uma reestruturação do projecto desportivo sobem de tom à medida que as vozes críticas dos adeptos se levantam e as análises da especialidade deixam para trás a conquista da Liga dos Campeões em 2013/2014, assim como todos os elogios à capacidade de liderança de Ancelotti. Com grande parte da turbulência a surgir a partir do interior do clube, uma questão se levanta: justicar-se-á este descontentamento?

Será justo e lógico enveredar pela saída de Ancelotti, pela venda de Bale (tão criticado pelos adeptos) e por uma redefinição profunda do plantel? Que qualidades terá perdido o técnico italiano e a sua equipa, além daquilo que perderam na temporada em termos de títulos? Não foram os mesmos que ergueram a histórica «La Décima», e, porventura, não poderão ser os mesmos que, num futuro bem próximo, possam ser vistos erguendo nova conquista epopeica?

Ancelotti deverá sair do Real no fim da época

Este generalizado descontentamento, à boleia da natural frustração da derrota, é uma doença crónica que paira, eternamente, pelos ares do Bernabéu. Um descontentamento de estado, de espírito, tão genético quanto transcendental. Nunca há tempo para perder, para corrigir, para aprender nem para respirar. Uma apologia do descontentamento que mais parece défice cognitivo do que reflexo de uma mentalidade ambiciosa.