Corria a temporada 2005/2006 quando Ronald Koeman recebeu em cima do fecho de transferências o tão desejado reforço para o seu ataque, Fabrizio Miccoli. Gorada a chegada do dinamarquês John Dahl Tomasson, que acabou por assinar pelo Estugarda da Alemanha, o Benfica virou agulhas para o ponta-de-lança transalpino que havia brilhado na temporada anterior ao serviço da turma Viola, a Fiorentina de Itália. Em duas temporadas ao serviço da Luz, sempre na condição de emprestado pela Juventus, o pequeno bombardeiro italiano conseguiu deixar a sua marca no clube lisboeta, pelo enorme talento que sempre demonstrou em campo, mas principalmente por ter desde cedo cativado a exigente massa adepta encarnada com a entrega e devoção com que representou o Benfica.

Rasgos de génio

A época 2005/2006 iniciou-se no clube da Luz sob o desígnio de um novo ciclo. Poucos meses passados do título conquistado pelos encarnados, sob o comando de Giovanni Trapattoni, o clube da Luz viu-se obrigado a contratar Ronald Koeman para o cargo de treinador principal, após o treinador italiano ter pedido para sair rumo ao Estugarda da Alemanha. A temporada que se iniciava simbolizava o regresso do Benfica à Liga dos Campeões, e tinha como principal objectivo a defesa do título conquistado em Maio no Bessa. Da estrutura titular dos encarnados, Ronald Koeman viu permanecerem nos quadros as suas principais figuras, como Simão, Petit, Luisão ou Nuno Assis, tendo ainda recebido in extremis dois reforços de peso para o seu sector mais avançado: Karagounis e, claro, Miccoli.

O ponta-de-lança transalpino chegou à Luz cedido pela Juventus com o objectivo de jogar a Liga dos Campeões Europeus. Não se tendo assumido como um titular absoluto na equipa treinada por Koeman, a verdade é que o pequeno bombardeiro acabou por cair nas graças dos adeptos benfiquistas. Isto deveu-se ao talento demonstrado pelo italiano em campo, mas principalmente pela simbiose que Miccoli criou com os valores e as gentes do clube encarnado. Mais do que estatísticas, a passagem de Miccoli pelos relvados do Estádio da Luz ficou guardada na memória dos adeptos encarnados pela sua irreverência, pelo talento inato que demonstrou a cada nova partida. Miccoli não era o típico avançado de área, daqueles que ficava junto dos centrais adversários à espera do momento certo para aparecer a finalizar, a decidir.

Foto: vedetaoumarreta.blogspot.pt
A cultura tática de Miccoli era inigualável // Foto: vedetaoumarreta.blogspot.pt

Talvez por isto nunca tivesse caído verdadeiramente nas graças de Koeman, que sempre preferiu avançados altos e fortes em detrimento de pequenos fantasistas como o italiano. Diferentemente dos grandes goleadores, Miccoli não era alto nem corpulento, nem fazia da velocidade a sua principal arma. O que diferenciava Miccoli dos restantes jogadores era a sua enorme cultura táctica, que lhe pemitia saber antes de todos os outros o que fazer com a bola, onde e quando poderia aparecer a decidir. Dotado de uma técnica invulgar, Miccoli possuía o toque dos grandes génios do futebol mundial. Dele não se esperavam grandes sacrifícios tácticos, nem grandes correrias. Miccoli, qual predestinado, dava-se ao luxo de se esconder do jogo até ao momento para aparecer com um novo truque que tirasse a equipa de sofrimentos.

Miccoli era um daqueles jogadores que nos faz gostar de futebol, daqueles que sentem a camisola como parte de si próprios, e que pintam cada novo lance com o toque divino dos grandes nomes do futebol mundial. Sem nomes como Miccoli, o futebol seria apenas mais um entre tantos desportos. Miccoli era arte em forma de futebol, um fazedor de sonhos capaz de apaixonar a mais exigente das plateias. Quando recebia a bola nos pés, as bancadas da Luz levantavam-se à espera de um novo truque, de uma nova obra prima que transformasse um simples jogo em algo muito maior.

A cultura tática de Miccoli era inigualável // Foto: benficauniversal.blogspot.pt
Miccoli deixou a sua marca na Luz // Foto: benficauniversal.blogspot.pt

O golo em Anfield Road a confirmar o génio

Em duas temporadas ao serviço do Benfica, Miccoli participou em 56 partidas, tendo apontado 19 golos. Se com Ronald Koeman nem sempre foi um indiscutível, com Fernando Santos ao leme dos encarnados adquiriu outro relevo na equipa, tendo participado num número maior de jogos e tendo uma presença mais assídua na equipa titular dos encarnados. Para este facto, muito contribuiu a preferência de Fernando Santos pelo 4-4-2 como sistema táctico, em detrimento do 4-2-3-1 que marcou os tempos de Koeman no comando dos encarnados.

Ao longo dos dois anos em que vestiu a camisola encarnada, várias foram as vezes em que o pequeno italiano deixou juras de amor ao clube das águias. Aliás, ainda hoje em dia Miccoli considera que a passagem pelo Benfica foi “a mais bela experiência" da sua carreira. "Gostei muito de lá estar (no Benfica), tenho recordações belíssimas”. Em jeito de balanço, Miccoli assume: "Recordo-me de tudo o que fiz, lembro-me muito bem do estádio, da cidade. Vivia em Cascais, onde estava muito bem. Fiz muito bons amigos, como o Nuno Gomes, o Rui Costa, também o presidente Luís Filipe Vieira. Para mim, é uma belíssima recordação. Palavras de quem não esquece aquela que terá sido a melhor etapa da sua carreira.

A Miccoli terão faltado unicamente os títulos na sua passagem pelo futebol português. No currículo ficou uma presença nos quartos-de-final da Liga dos Campeões, onde o Benfica viria a cair aos pés do futuro campeão europeu Barcelona. Na memória de todos os adeptos, e do próprio Miccoli, fica o golo apontado ao então campeão europeu em título Liverpool, em pleno Anfield Road, num gesto técnico perfeito, apenas ao alcance dos predestinados, dos génios como Fabrizio Miccoli. Este golo é apenas o marco mais gritante do enorme talento que o pequeno italiano sempre demonstrou ao serviço do Benfica, e nos relvados portugueses. A nós, comuns adeptos de futebol, resta-nos agradecer termos podido assistir à sua passagem pelo nosso futebol. Grazie per tutto Miccoli!